Título: A briga agora é com a China
Autor: Oliveira, Eliane; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/08/2008, Economia, p. 27

Após fiasco na OMC, empresários brasileiros pressionam governo para impor barreiras a importações

Eliane Oliveira e Gustavo Paul

Sem um acordo na Rodada de Doha, o Brasil se prepara para o recrudescimento da guerra comercial com a China, causado pelo aumento cada vez mais forte das importações daquele país. Crescem as pressões do setor produtivo sobre o governo brasileiro para impor novas salvaguardas a produtos chineses. Querem ir para a briga vários segmentos, com destaque para o têxtil, o calçadista, o eletroeletrônico e o de brinquedos.

O setor têxtil é um dos mais preocupados. Os empresários correm o risco de não conseguir prorrogar o acordo de restrição voluntária de exportações da China, de 2006, que vence em dezembro. Já os chineses afirmam que a indústria brasileira teve tempo demais para se proteger.

- Não queremos proteção, apenas isonomia para competir. Por isso, queremos que o governo aumente as tarifas de importação. Já temos vários pedidos de investigação em andamento. A competição tem de ser a mais leal possível no mercado internacional - disse Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).

Se o acordo não for renovado, a Abit quer que o governo brasileiro crie mais barreiras às importações chinesas. A entidade está preparando vários pedidos de investigação antidumping para fundamentar a solicitação de aumento das tarifas.

Governo está de olho em investimentos

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (Abinee), Humberto Barbato, disse que várias empresas do setor estão contratando escritórios para avaliar algum tipo de proteção, a ser pedida ao Ministério do Desenvolvimento. Ele próprio, que tem uma empresa de equipamentos de distribuição de energia, revelou estar fazendo isso:

- O problema está se agravando em função da sobrevalorização do real. É natural que as empresas busquem uma forma de se proteger, ainda que temporariamente.

Segundo Barbato, mesmo as medidas antidumping já tomadas para alguns itens, como alto-falantes, não estão dando o resultado esperado. Isso porque os chineses vendem seus produtos ao Brasil como se fossem produzidos em outros países, como, por exemplo, Taiwan.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Milton Cardoso, é preciso agir imediatamente. Ele classificou o crescimento das importações de absurdo: 57% no primeiro trimestre em relação a 2007. A alíquota de importação de 35% sobre calçados, disse, não está funcionando e a taxa de crescimento só aumenta:

- Em abril foi de 45%, passando a 68% em maio e 120% em junho. Nesse ritmo, a indústria calçadista vai perder 50 mil empregos.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq), Synésio Batista, há um acordo em seu setor com a China - que, segundo ele, não está sendo cumprido - limitando importações de produtos chineses. Para este ano, a previsão seria de US$100 milhões. Mas o valor, afirmou Batista, deve superar os US$250 milhões.

Paralelamente à possibilidade de novas salvaguardas, as autoridades brasileiras se preparam para avançar nas negociações bilaterais com a China, para eliminar uma série de barreiras, impostas especialmente às carnes bovina, suína e de frango.

O próximo contato deve ocorrer mês que vem. Em troca, a China quer que o Brasil a reconheça formalmente como economia de mercado, reveja medidas antidumping já aplicadas e certifique dois frigoríficos chineses. Segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Suína, até agora o setor não vendeu nada para a China. E a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef) lembrou que já foram habilitados 24 frigoríficos, mas as importações ainda não foram autorizadas.

Essas pressões deixam o governo em situação delicada. Uma fonte ligada ao assunto lembra que o Brasil quer estreitar as relações com a China, em busca de mais comércio e investimentos. Empresas chinesas vão participar do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimento previsto de US$10 bilhões.