Título: Revista acusa governo de relação com as Farc
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Fonte: O Globo, 01/08/2008, O Mundo, p. 34

Segundo colombiana "Cambio", autoridades brasileiras e membros do PT teriam mantido contatos com a guerrilha

BOGOTÁ e BRASÍLIA

Dois representantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) fizeram contatos com diversos integrantes do governo brasileiro e do PT, deputados, um juiz e um procurador da República, segundo a reportagem de capa da "Cambio", uma das principais revistas semanais colombianas. Sob o título "O dossiê brasileiro", a revista informa que os nomes dos ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, aparecem em e-mails trocados entre o ex-sacerdote Olivério Medina, embaixador informal das Farc no Brasil, e outros dirigentes da guerrilha.

Nos e-mails surgem ainda referências ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, ao chefe de Gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, aos deputados distritais Paulo Tadeu (PT) e Érika Kokay e até ao procurador regional da República Luiz Francisco Souza. Entre os nomes mencionados ainda estão o do assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e da ex-deputada federal Maria José Maninha (PSOL-DF). O conteúdo do dossiê, base da reportagem, foi antecipado pela coluna Panorama Político, do GLOBO, nas edições dos dias 4 e 5 de julho.

Nada escrito por brasileiros

A revista fez a reportagem com base em 85 mensagens eletrônicas encontradas no computador de Raúl Reyes, número dois das Farc, morto pelo Exército colombiano em território equatoriano. A reportagem cita diversos trechos de mensagens que mencionam personalidades de Brasília, mas não fornece qualquer prova do envolvimento dos brasileiros com as atividades da guerrilha - e reconhece que nenhuma linha dos e-mails foi escrita por qualquer um dos personagens citados. Mas a revista considerou as informações graves, despertando "muitas perguntas que exigem uma resposta do governo brasileiro".

A revista publicou cópias de vários e-mails. Num deles, Medina faz menção a um encontro que teria com Vannuchi. O ministro teria também conversado com o presidente Lula sobre a situação do padre. Lula teria ligado para Vannuchi para pedir que o ministro cumprimentasse o advogado Ulisses Riedel, encarregado da defesa de Medina no processo de extradição que, no período, estava em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). O STF rejeitou o pedido de extradição de Medina.

"Não lhe disse que há alguns dias o presidente Lula chamou o ministro Paulo Vannuchi indicando-lhe que telefonasse ao advogado Ulisses Riedel e lhe felicitasse pelo êxito jurídico em sua brilhante defesa em favor do meu refúgio", diz Medina na mensagem enviada a Reyes em 25 de setembro de 2006. Num outro e-mail, de fevereiro do ano passado, Medina diz: "É possível que me visite um assessor especial de Lula chamado Selvino Heck, que junto com Gilberto Carvalho tem sido outro que tem nos ajudado bastante."

Um dos brasileiros mais citados nas 85 mensagens das Farc conseguidas pela "Cambio" é o ex-ministro José Dirceu. Segundo a revista, numa mensagem de 4 de junho de 2005, um enviado das Farc chamado apenas de "José Luís" afirma que se encontrara com o jornalista Breno Altman, e que, "por motivos de segurança", as relações entre as Farc e Dirceu "não passarão pela Secretaria de Relações Internacionais, mas diretamente através do ministro (Dirceu) com a representação de Breno".

Lista de doações para a guerrilha

A "Cambio" afirma que, numa mensagem enviada por Raúl Reyes para o padre Medina, em 24 de junho de 2004, o então número dois das Farc lamenta a possível saída de Dirceu da Casa Civil - que só ocorreria um ano depois.

Outras pessoas citadas são Plínio de Arruda Sampaio, que teria contatado o chanceler Amorim. Este estaria, segundo a revista, "disposto a nos receber". Segundo a "Cambio", o procurador da República Luiz Francisco de Souza também teria se encontrado com Medina.

Numa carta que teria sido enviada por Medina para Reyes em julho de 2005, segundo a revista, constam ajuda de US$833,33 do deputado distrital de Brasília Paulo Tadeu, de US$666,66 do sindicato da Empresa de Energia de Brasília, e de US$433,33 do vereador Leopoldo Paulino.

O Palácio do Planalto não se pronunciou oficialmente sobre a denúncia da revista. Mas, no governo, a ação foi para desqualificar a reportagem e a revista, sob o argumento de que órgãos da imprensa brasileira também tiveram acesso aos e-mails e concluíram exatamente o contrário: que o governo brasileiro fechou as portas para as Farc. Para o governo, a revista omitiu trechos dos e-mails em que o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, é tratado como "inefável" e criticado por bloquear o acesso das Farc ao Planalto. O governo vê uma orquestração de setores do governo colombiano para desestabilizar as relações entre Brasil e Colômbia.

Só procurador admite contato

O chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, negou qualquer relação do Planalto com as Farc. Segundo ele, o governo brasileiro "tem zero de relação com as Farc".

- A posição brasileira é claríssima contra os métodos das Farc e os seqüestros - disse Gilberto ao site Terra.

A assessoria de imprensa de Vannuchi informou que ele apenas pediu ao Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, para verificar as condições em que Medina estava preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. A assessoria nega que o ministro tenha conversado com Lula por telefone sobre o caso.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, também negou qualquer vínculo com Medina.

- Nunca tive qualquer contato direto ou indireto com representante, membro ou intermediário das Farc - disse ele.

O procurador Luiz Francisco confirmou conhecer Medina.

- Eu tenho orgulho de conhecer o padre. Ele é ligado a Igreja e eu também sou. Ele sempre lutou pela reforma agrária, para ajudar os pobres. Eu não conheço é gente como Daniel Dantas - disse Luiz Francisco.