Título: Em Haia, Karadzic diz ter feito pacto com os EUA
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Fonte: O Globo, 01/08/2008, O Mundo, p. 34
Magro e sem a cabeleira, ex-líder servo-bósnio reafirma a juiz que cuidará da própria defesa
HAIA. O ex-líder servo-bósnio Radovan Karadzic, acusado de genocídio e crimes contra a Humanidade na Guerra da Bósnia, disse ontem ter feito em 1996 um acordo com os Estados Unidos para deixar a vida pública em troca de ter derrubadas as acusações contra si. Ele deixou dúvidas de que, com isso, teria garantido sua imunidade. Karadzic, que ficou 13 anos foragido da Justiça internacional, se apresentou ontem ao Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPI), em Haia, dez dias depois de ser preso em Belgrado.
Segundo Karadzic, Richard Holbrooke, negociador durante o governo de Bill Clinton, teria feito a oferta a ele, em nome dos Estados Unidos, com o objetivo de não colocar em risco o acordo de paz de Dayton, que pôs fim à Guerra da Bósnia.
¿ Com isso quero demonstrar por que estou nesse tribunal agora e não em 1996... Eu corria risco de vida.
Imediatamente o juiz o interrompeu e disse que as alegações deveriam ser apresentadas por escrito, e não durante aquela sessão.
¿ Esse não é o momento apropriado ¿ disse o juiz Alphons Orie.
Consultado pela rede ¿CNN¿, Holbrooke negou que tenha feito um acordo desse tipo com Karadzic e classificou a acusação de ¿ridícula¿.
Karadzic se apresentou pela primeira vez ontem, sem advogado, dizendo que cuidaria da própria defesa e que teria um conselheiro invisível.
¿ Tenho um conselheiro invisível, mas decidi representar a mim mesmo ¿ disse ao juiz, calmamente.
Carniceiro da Bósnia é indiciado por 11 crimes
Sem a cabeleira e a longa barba que lhe serviram de disfarce enquanto se passava por um guru espiritual durante pelo menos parte de seus anos de foragido, Karadzic se apresentou à corte vestido com terno escuro e gravata.
Ele escutou atentamente a leitura das acusações, entre elas a autoria intelectual do massacre de 8 mil muçulmanos em Srebrenica e o cerco de Sarajevo, que acabou com 10 mil mortos, durante a guerra da Bósnia, entre 1992 e 1995. Karadzic se mostrou seguro e chegou a sorrir em alguns momentos. Ele foi indiciado por 11 crimes: um por genocídio, um por cumplicidade em genocídio, cinco crimes contra a Humanidade e quatro crimes de guerra.
Perguntado se tinha alguma questão a levantar, Karadzic disse que gostaria de informar o juiz de irregularidade sobre sua transferência ao tribunal. Disse que foi seqüestrado por ¿civis desconhecidos¿ por três dias antes da detenção oficial. Disse ainda que teve seus direitos burlados e que não pode telefonar ou mandar mensagens de texto para amigos que o procuravam em hospitais e necrotérios.
Pelas normas do tribunal, Karadzic, conhecido como o Carniceiro da Bósnia, tem 30 dias para decidir se vai se declarar culpado ou inocente. Caso não apresente uma declaração até o fim do prazo, ele será declarado inocente e inicia-se então o julgamento.
Cela privativa e acesso à internet
Karadzic se encontra na prisão de Scheveningen, em Haia, onde chegou na quarta-feira vindo de Belgrado, onde estava desde a detenção na semana passada.
Karadzic está numa cela silenciosa, com banheiro próprio. E como deve conduzir a própria defesa, o que pode prolongar o julgamento, é possível que possa ter direito a um computador conectado à internet, como aconteceu com o falecido ex-presidente Slobodan Milosevic.
Na Bósnia, cafés e bares transmitiam imagens do julgamento.
¿ É ele! ¿ disse Elvir Kljakic, de 27 anos, que perdeu o pai e o irmão durante a guerra. ¿ É a besta. Não acreditava até agora.
No pequeno escritório da Associação de Madres de Srebrenica, cerca de 20 viúvas assistiam à televisão.
¿ Aí está o lixo ¿ disse uma delas ao ver Karadzic.
Outras três choraram.