Título: Petróleo incendeia campanha
Autor:
Fonte: O Globo, 03/08/2008, O País, p. 3
Injeção de R$4,5 bilhões dos royalties cria guerra entre ex-aliados em sete municípios
Chico Otavio e Maiá Menezes
Acobiça gerada pelo dinheiro do petróleo inflama a disputa eleitoral em sete municípios banhados pela Bacia de Campos. A briga pelo inventário dos royalties (só na atual gestão, foram injetados R$4,5 bilhões nessas cidades) provoca rompimentos entre aliados, cizânia em clãs políticos, acusações de traição, uma lista extensa de pedidos de impugnação e um festival de denúncias que põe em xeque a aplicação dos recursos. Ex-prefeitos, da primeira geração dos royalties, chamados na região de sheiks, e atuais prefeitos - em geral, ex-aliados - se enfrentam na arena política numa luta encarniçada pelo direito de continuar gerindo esta montanha de recursos.
De acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras, Cabo Frio, Quissamã, Búzios e São João da Barra (cidades do Norte Fluminense e da Região dos Lagos) receberam, entre janeiro e julho deste ano, R$808 milhões em royalties, além de mais R$230 milhões em participação especial. Do começo do mandato até aqui, os prefeitos dessas sete cidades receberam repasses de cerca de R$4,5 bilhões.
Em alguns casos, como Quissamã e Macaé, o dinheiro do petróleo chega a representar 65% da receita municipal. E é justamente o destino dado a esses recursos que virou munição na guerra política deflagrada pela disputa eleitoral na região.
Em Campos, contemplado com o maior volume de recursos (R$298 milhões), 18 das cerca de 50 manifestações do Ministério Público pelo indeferimento de candidaturas estão relacionadas aos royalties. Candidato a prefeito pelo PDT, o deputado federal Arnaldo Vianna está citado na lista dos fichas-sujas do Tribunal de Contas do Estado (TCE), com seis processos já transitados em julgado da época em que foi prefeito (1998-2004). Além dele, o MP quer barrar os 17 vereadores da Câmara Municipal, envolvidos no desvio de R$15 milhões dos cofres municipais, usados no pagamento de shows superfaturados no ano passado, e acusados de manter cerca de 500 funcionários contratados sem concurso em seus gabinetes.
O trabalho da força-tarefa entrega para o juiz responsável pelo registro eleitoral de Campos, Carlos Azevedo de Araújo, uma batata quente. Está em suas mãos o destino de praticamente toda a elite política da cidade, já que o MP também pediu o indeferimento da candidatura da ex-governadora Rosinha Garotinho, ré em quatro ações de improbidade administrativa na capital, duas delas já acolhidas pela Justiça, além de mais de duas dezenas de candidatos a vereador, entre eles o delegado federal Carlos Pereira da Silva, preso durante a Operação Furacão. A lupa do Ministério Público já atuou em dois municípios da região conhecida como "Texas brasileiro". Em Campos e Cabo Frio, os promotores pediram a impugnação dos dois principais candidatos a prefeito. Prefeito de Cabo Frio por dois mandatos, o deputado federal Alair Corrêa (PSDB) está na lista suja do TCE: teve suas contas rejeitadas em 1998. Seu principal adversário, o prefeito Marcos Mendes (PMDB), enfrenta uma ação de impugnação por denúncia recente: uma gravação teria registrado oferta de cargo feita por ele a um integrante do PT, em troca de apoio na eleição. Também contribuiu para a decisão dos promotores dois Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) que obrigaram o prefeito a demitir servidores contratados irregularmente.
- Sou ficha-limpa. Minhas certidões mostram que não respondo a processos. A fita foi montada para me prejudicar - alega o prefeito.
- Paguei as multas ao TCE. Tenho as certidões de quitação. Mas, se considerar as contas, estou de fato na lista. Prefiro isso do que acusação por compra de votos - afirmou o ex-prefeito.
Em Macaé, as acusações recíprocas giram em torno da gestão dos royalties - que chegou a R$1,3 bilhão de 2005 até julho deste ano. Em uma ação que corre na 3ª Vara Cível da cidade, o prefeito Riverton Mousse (PMDB) é acusado de ter comprado terrenos de parentes de vereadores aliados, num total de R$71 milhões. Um deles, de 456 mil metros quadrados, onde seriam realizados shows no município, custou R$42,9 milhões aos cofres públicos. Outro, de R$3,1 milhões e 125 mil metros quadrados, seria para a construção de um cemitério, na região serrana do município, onde moram 13 mil pessoas.
- Tudo foi feito dentro das normas da procuradoria do município. Estávamos precisando de imóveis porque a prefeitura usava terrenos alugados - disse o prefeito.
Como em toda a guerra, a população é sempre prejudicada. Nas ruas, as acusações recíprocas transformam o entusiasmo da população com o petróleo em frustração. Na quarta-feira, o comerciante Irajá Carneiro, que há 25 anos faz o Telegiz, um quadro-negro amarrado a um poste e preenchido com frases de efeito na rua Tenente Coronel Cardoso, uma das mais movimentadas do Centro de Campos, não teve dúvidas sobre a frase do dia: "Os grandes culpados são os royalties".