Título: Novo mundo, nova lei
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 03/08/2008, Opinião, p. 7

"Quando cheguei à Presidência, somente físicos especializados tinham ouvido falar na Rede Mundial de Computadores. Hoje, até o meu gato tem uma página na internet." Bill Clinton

A internet criou um novo mundo. Um mundo que, embora virtual, freqüentemente é mais importante para o trabalho e a vida pessoal do que o mundo real. Com efeito, hoje é praticamente impossível trabalhar, estudar, se comunicar e mesmo se divertir sem o acesso à rede mundial. É difícil imaginar o planeta sem internet. A vida, agora, é online.

Esse bravo novo mundo, ao contrário do Brave New World de Aldous Huxley, é o território da liberdade. Viajamos nele para todos os rincões da Terra sem passaportes. Pela internet, tornamo-nos cidadãos do mundo e membros da estratégica sociedade do conhecimento. O novo mundo virtual torna real o direito à informação e nos liberta. A liberdade, agora, é online.

Entretanto, esse novo mundo, para continuar a ser livre, precisa também ser seguro.Temos de nele proteger o direito à confidencialidade das informações pessoais e o direito à proteção contra o vírus, o estelionato eletrônico, o furto cibernético, a pedofilia. Esses direitos, que prezamos tanto quanto a liberdade, precisam também ser online. Não podemos mais conviver com a ambivalência esquizofrênica que pune crimes offline, mas os permite online.

Foi por tal razão que o Senado aprovou projeto de lei que dita regras para coibir os crimes de informática. Esse projeto foi amplamente discutido desde quando foi apresentado, em 1999, na Câmara dos Deputados. No Senado, foram realizadas audiências públicas com entidades da sociedade civil e órgãos governamentais, como universidades, Ministério Público, Ministério da Justiça, Comitê Gestor da Internet, entre outros.

O fruto desse esforço democrático é um projeto que busca o equilíbrio entre a necessidade de prover segurança aos milhões de usuários da internet e o direito de toda pessoa de obter e difundir informações de forma livre, como preconiza o Pacto das Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos.

De fato, o parecer aprovado do relator, senador Eduardo Azeredo, incorporou 33 emendas, sendo 10 em plenário, que aperfeiçoaram consideravelmente o texto original. Ele não possibilita a criminalização do intercâmbio de músicas, filmes e fotos pela internet, uma vez que suas cláusulas não incidem sobre direitos autorais. A chamada "pirataria" não é o seu objeto. Prevê-se a punição apenas a quem viola a segurança de rede de computadores ou sistema informatizado de acesso restrito ou a quem acessa maliciosamente informações protegidas, como as contidas em computadores pessoais.

No texto original, não se esclarecia que a punição recairia somente sobre quem acessasse informações protegidas violando expressamente dispositivo de segurança. Ademais, o projeto não proíbe, como divulgaram equivocadamente, o desbloqueio de celulares, já permitido pela Anatel.

As críticas ao projeto se baseiam, em geral, em interpretações improcedentes, como a referente à criação do "provedor delator" na rede mundial. Na realidade, foi eliminado do texto a vigilância eletrônica do provedor. A sua única responsabilidade será encaminhar denúncias às autoridades referentes a crimes de acionamento penal incondicionado, função consentânea com qualquer empresa prestadora de serviço público.

A ênfase do projeto está na punição da difusão de vírus, do estelionato eletrônico, da falsificação de documentos, dos danos aos dados de terceiros e às redes. Introduzimos também, no artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe sobre a pedofilia, a receptação e o armazenamento eletrônico de pornografia infantil.

Outro ponto importante diz respeito à responsabilidade dos provedores de internet, que só terão de manter, pelo prazo de três anos, o registro do log de acesso às redes por eles operadas. Isso facilitará muito as investigações de crimes que hoje são de difícil elucidação, a um custo mínimo para os provedores. Note-se que ficam excluídas dessa responsabilidade as redes não comerciais, como as de ONGs e residências.

Caso o projeto seja aprovado na Câmara, que poderá aperfeiçoá-lo ainda mais, o Brasil será incluído no rol das modernas nações que têm legislação sobre delitos cibernéticos. Com ele, os usuários de internet continuarão a trocar informações livremente, mas protegidos por legislação consistente que coibirá os crimes cibernéticos que tanto dano causam à vida online. Será grande passo à frente, on e offline.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).