Título: Cotas, tema delicado para Obama
Autor: Swarns, Rachel L.
Fonte: O Globo, 04/08/2008, O Mundo, p. 26

Candidato democrata aumenta foco em condição social e preocupa simpatizantes negros

Rachel L. Swarns

Em 1990, quando seus amigos universitários se reuniam para protestar contra a escassez de professores negros na faculdade de direito de Harvard, Barack Obama escreveu uma vigorosa defesa da ação afirmativa. O campus estava tomado por discussões raciais, e Obama, então o primeiro presidente do jornal ¿Harvard Law Review¿, decidiu se posicionar, afirmando que ¿sem dúvida tinha se beneficiado da ação afirmativa¿ em sua própria carreira acadêmica. Como político, o democrata Obama continuou a apoiar ações baseadas em critérios raciais, classificando-as de ¿absolutamente necessárias¿ e criticando seu corte feito pela Suprema Corte, quando era senador.

Mas, em sua campanha presidencial, Obama vem preocupando alguns de seus simpatizantes negros ao aumentar o foco na classe, sugerindo que brancos pobres devem, em certas circunstâncias, ter preferência sobre negros mais privilegiados. Sua observação de mudar a balança entre raça e classe aumenta a chance de que, se eleito em novembro, ele possa levantar uma discussão nacional mais profunda sobre uma questão que vem sendo ferozmente debatida por décadas. Obama não quis fazer comentários para este artigo.

¿ Temos que pensar sobre a ação afirmativa e estruturá-la de modo que crianças negras que têm privilégios não recebam um tratamento mais favorável do que uma criança branca e pobre que tenha lutado mais ¿ disse Obama na semana passada, numa sessão para jornalistas em Chicago.

Senador cita filhas como exemplo

Num debate presidencial em abril, Obama disse que suas duas filhas, Malia, de 10 anos, e Sasha, de 7, que tiveram muitas vantagens na vida, não devem se beneficiar de uma ação afirmativa quando se inscreverem na universidade, especialmente se competirem com brancos pobres.

Enquanto a origem birracial de Obama em muitos aspectos o torna uma ponte ideal entre sensibilidades raciais, a questão permanece politicamente traiçoeira. Em alguns aspectos, suas observações simplesmente refletem um consenso crescente de que a classe deve representar um papel significativo em programas de ação afirmativa. Ela já exerce esse papel em estados como Califórnia e Michigan, onde os eleitores decidiram que a raça não pode mais ser um critério na contratação do governo nem na admissão das universidades públicas.

Uma decisão da Suprema Corte do ano passado, que impediu escolas públicas de admitirem estudantes com base em sua raça, forçou o foco na condição socioeconômica. Mas a Suprema Corte também determinou que as universidades poderiam levar em conta a raça em seus esforços para diversificar o campus. Proponentes de programas como esses argumentam que os negros continuam a enfrentar discriminação, independentemente de classe social ou renda. Alguns temem que o foco de Obama no status socioeconômico das filhas ¿ em oposição à diversidade de perspectivas que elas possam levar a universidades predominantemente brancas ¿ ajude os conservadores a eliminar a raça como critério nas universidades e nas contratações do governo.

Ward Connerly, forte oponente à ação afirmativa, disse acreditar que as observações de Obama aumentarão o apoio às suas iniciativas de votação em Arizona, Colorado e Nebraska em novembro, e que acabariam com o tratamento preferencial baseado em raça, etnia e gênero no governo e na educação pública. Na semana passada, John McCain, rival republicano de Obama, anunciou seu apoio a essas medidas. Obama se opõe à votação nos três estados, afirmando que ela sabotaria os esforços de mulheres e membros de minorias para romperem barreira. Mas Connerly disse que o democrata já ajudou a causa.

Charles J. Ogletree Jr., professor de direito em Harvard e conselheiro de Obama para questões raciais, disse que ele continua a apoiar preferências baseadas em raça, e que suas filhas não deveriam ser impedidas de participar desses programas porque podem sofrer preconceito racial, diferentemente de seus colegas brancos.

Alguns colaboradores de Obama disseram acreditar que ele enfatizou a classe em parte para ganhar eleitores brancos, que, segundo pesquisas, preferem benefícios que atendam aos pobres. Mas seus amigos e antigos colegas de faculdade opõem-se a isso, afirmando que sua visão reflete anos de embate com a ação afirmativa, como uma questão política e de sua própria vida pessoal. Colegas de faculdade disseram que Obama não mencionou sua raça em sua inscrição em Harvard, para não se beneficiar da ação afirmativa, uma informação que sua campanha não quis confirmar nem negar.