Título: A queda da Bolsa
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 05/08/2008, Opinião, p. 7
O investidor sofre com os altos e baixos da Bolsa de Valores. Na realidade gosta dos altos, sofre mesmo é com os baixos. O problema é que os baixos estão dominando nos últimos meses. O índice da Bolsa de Valores (Ibovespa) já caiu mais de 20% desde que atingiu o seu auge em meados de maio, quando o Brasil recebeu o grau de investimento das agências de classificação de risco. No acumulado do ano a queda é de 12%. Outras bolsas caíram ainda mais. A da Índia caiu 28%, China, 48%, e Rússia, 17%. O que está acontecendo? É pura volatilidade dos mercados ou um sinal relevante de preocupação pelo que vem pela frente no mundo?
Por algum tempo, acreditava-se que haveria uma saída benigna para a crise americana. A economia americana não sofreria tanto e as economias emergentes efetivamente se descolariam dos problemas nos EUA. E, por enquanto, os dados econômicos ainda são bons: a economia dos EUA cresceu 1,9%, no último trimestre, e as economias emergentes crescem ainda num ritmo forte.
Mas cresce a percepção que chegamos ao final do ciclo de prosperidade dos últimos anos. Numa recente entrevista, o ex-presidente do Fed (banco central dos EUA) Alan Greenspan, após passar 20 anos no cargo, e conhecido pela sua capacidade de analisar os dados econômicos, afirmou que os EUA estão à beira de uma recessão, e que os problemas imobiliários estão longe de serem resolvidos. Descreveu a crise financeira atual como algo que acontece apenas uma vez em cada cem anos.
Não há consenso sobre o que aflige o mundo. Alguns acreditam que o mundo está crescendo rápido demais, já que a oferta de matéria-prima não consegue acompanhar esse ritmo, o que eleva os seus preços, em especial o petróleo, e gera inflação no mundo. O economista Ken Rogoff, professor de Harvard, num artigo no "Financial Times", recomenda aos países desacelerarem as suas economias para evitar o pior. Isso significa apertar a política monetária (subindo os juros) nas economias emergentes e que os países industriais (leia-se EUA) parem de estimular a sua economia com pacotes econômicos, que só vão adiar a solução final: o mundo precisa de uma desaceleração pronunciada.
Outros, como o economista Paul Krugman, professor de Princeton e colunista do "New York Times", acreditam que o risco é de uma recessão global, e que os EUA estão certos em tentar evitar o pior baixando os juros e segurando a economia com pacotes fiscais que estimulam o consumo.
Acho difícil acreditar que estamos fadados simultaneamente a uma inflação galopante no mundo e a um desaquecimento global de magnitude não vista anteriormente. De qualquer forma, ambas as visões antevêem o fim do ciclo de prosperidade dos últimos anos.
E qual é a conseqüência desse cenário para o Brasil e para as empresas brasileiras?
Até o momento, a economia brasileira foi beneficiada por algumas características específicas da crise - subida dos preços das commodities e juros extremamente baixos nos EUA -, mas isso pode estar mudando. Uma desaceleração global mais pronunciada inevitavelmente reduziria o preço das commodities no mundo, reduziria o valor e o volume de exportações brasileiras e afetaria o crescimento do Brasil. Todos esses fatores exercem pressão negativa sobre o valor das empresas na bolsa.
A queda da bolsa de valores no Brasil está sinalizando que os investidores estão crescentemente preocupados com o cenário de desaceleração global e queda do preço das commodities. Nesses momentos é bom considerar o médio e o longo prazos. O padrão de crescimento global tem favorecido o Brasil, e deve continuar a fazê-lo. Na medida que há uma tendência, ao que tudo indica irreversível, de incorporação à economia de mercado de contingentes populacionais expressivos na China e na Índia, o mundo continuará precisando de alimentos, água, petróleo, energia alternativa, minerais e outras commodities. Países, como o Brasil, que têm abundância relativa desses fatores podem continuar a se beneficiar. Basta o país não desperdiçar esta oportunidade, investindo na infra-estrutura e na educação da sua população.