Título: Big Brother contra a desordem
Autor: Martins, Marília ; Lima, Ludmilla de
Fonte: O Globo, 06/08/2008, O País, p. 3

Candidatos discutem sistema de participação popular adotado em cidade dos EUA

Marília Martins* e Ludmilla de Lima

No Rio, problemas simples de ordem urbana, como o lixo acumulado na esquina e o barulho excessivo na vizinhança, ganharam tamanha dimensão que viraram um desafio para os candidatos a prefeito nesta campanha. Embora moradores da cidades vejam e desaprovem o camelô na calçada ou o ponto de táxi irregular na rua, vistos como sinônimos de insegurança, nem sempre o poder público parece disposto a resolver. Diante dos mesmos obstáculos, a prefeitura de Portland, capital do estado de Oregon, nos Estados Unidos, criou um programa vitorioso nos anos 90: um escritório de participação comunitária, que funciona como uma espécie de disque-denúncia para a desordem urbana. O sistema foi citado pelo neurocientista da UFRJ Stevens Rehen na coluna "O Rio da gente" de domingo.

O escritório é comandado por Stephanie Reynolds, e sua maior função é criar um ambiente que permita a participação de cidadãos comuns em defesa do cumprimento da lei. Graças ao trabalho, os cerca de 570 mil habitantes de Portland viram os índices de infração e de crimes despencarem:

- O envolvimento da comunidade foi absolutamente fundamental para o combate ao crime e para a melhoria da ordem pública. Desenvolvemos vários programas de parceria, que vão desde a simples denúncia anônima até o credenciamento de voluntários para serem "observadores da comunidade".

Sistema conta com vigilantes anônimos

O programa da prefeitura tornou-se bem-sucedido somente depois de ganhar a confiança da população. Além das câmeras de vídeo instaladas nos locais mais críticos da cidade, o sistema conta agora com a vigilância de moradores anônimos. Para evitar falsas denúncias, a equipe desenvolve um trabalho de investigação, que não é feita pela polícia e sim com a ajuda dos observadores comunitários.

O programa se vale, sobretudo, das denúncias feitas por e-mails, com imagens de celulares. O escritório recebe todo tipo de queixa, sendo que as de trânsito e de ruído na vizinhança são maioria. O local também funciona como uma central de denúncias de crimes, que caíram em média 30% a partir dos anos 90.

- Hoje, a gente caminha pelas ruas do Centro à noite e encontra pessoas passeando. A população começa de novo a recuperar o espaço urbano e se sente mais envolvida com a solução dos problemas - avalia o chefe de polícia da região central de Portland, Mike Reese.

Para Howard Rodstein, pesquisador que trabalha com dados da Central de Crimes e Infrações de Oregon, além do envolvimento comunitário, houve um outro fator importante para a queda de infrações urbanas: a chamada "medida 11". Trata-se de uma lei estadual que aprofunda a diferença entre as penalidades aplicadas a crimes e infrações:

- O rigor no cumprimento da lei depende diretamente da capacidade do poder público de aplicar a pena devida. Em Portland, infratores sabem que o custo da infração será alto, e os criminosos têm certeza de que terão tempo na cadeia.

Embora o sistema implantado na cidade americana não seja unanimidade entre candidatos a prefeito do Rio, a maioria promete iniciativas de combate à desordem urbana que integrem a população. Jandira Feghali, do PCdoB, propõe uma ouvidoria municipal ágil e a abertura de mais canais de comunicação nas subprefeituras:

- Vamos abrir todos o canais para que a população possa exercer essa democracia participativa.

Solange Amaral, do DEM, diz acreditar na viabilidade do sistema contra infrações de trânsito e defende a ampliação do uso de tecnologias:

- Vamos ampliar o uso de câmeras e rádios, não só na repressão.

Fernando Gabeira, do PV, diz que vai estudar o modelo. Ele já havia sugerido a distribuição de celulares para os guardas municipais.

- O envio de denúncias por parte das pessoas que não são guardas precisaria de uma regulamentação. Teria que seguir uma regra, como a informação do local e da hora.

Eduardo Paes, do PMDB, defende o modelo:

- O sistema é fundamental para várias situações, como para a conservação da cidade e denúncias de pequenos delitos urbanos e de desrespeito às posturas municipais.

Outro entusiasta da iniciativa é Alessandro Molon, do PT:

- Essa é uma boa idéia de fazer com que a população colabore e se envolva na recuperação da cidade. Ela estende a rede da prefeitura na busca de soluções.

Já Chico Alencar, do PSOL, é crítico em relação ao sistema:

- Podemos avançar com tecnologias e eficiência administrativa. Mas tenho medo de criar um grande irmão e cair num denuncismo perigoso e inconseqüente. E aí o espírito de solidariedade se vai.

Paulo Ramos, do PDT, diz ser contra o sistema porque, na sua concepção, ele faria o mesmo papel do disque-denúncia da polícia:

- O programa que eu chamo de pronta-resposta resolveria problemas como a falta de poda, o buraco na rua e a falta de iluminação.

Marcelo Crivella, do PRB, diz que é contra transformar moradores em fiscais. Mas adianta que estuda meios de ampliar o poder de fiscalização dos agentes municipais.

(*) Correspondente