Título: Menos pobres e mais divergências
Autor:
Fonte: O Globo, 06/08/2008, Economia, p. 23

RETRATOS DO BRASIL

Ipea e Getulio Vargas chegam às mesmas conclusões mas enxergam causas diferentes

Duas pesquisas divulgadas ontem - uma da Fundação Getulio Vargas e outra do Ipea - mostram que a classe média cresceu e o número de pobres encolheu no país entre 2002 e 2008. Mas as coincidências param aí. As conclusões para o fenômeno são diferentes. Marcelo Neri, da FGV, aponta a geração de emprego com carteira assinada como fator preponderante para que mais de metade da população tenha ascendido. Marcio Pochmann, do Ipea, fala em aumentos reais do mínimo e programas sociais. A classe média de Neri tem renda domiciliar de R$1.064 a R$4.591. São hoje 19 milhões de pessoas. Pochmann não quantifica essa fatia da população, mas calcula que três milhões terão deixado a pobreza até o fim deste ano.

Classe média já é 51,8% da população

Mais emprego com carteira ajudou a incluir cinco milhões de brasileiros nessa faixa, mostra FGV

Liana Melo e Erica Ribeiro

OBrasil virou o país da classe média. Mais de metade dos brasileiros tem renda domiciliar entre R$1.064 e R$4.591 por mês. A classe C, como foi rotulado o meio da pirâmide social, que concentra 19,2 milhões de pessoas, respondia por 51,89% da População Economicamente Ativa (PEA) em abril. Há seis anos, na faixa entre 15 e 60 anos, eram 42,49%. Com a alta do emprego com carteira assinada, a classe média engordou, no período, em cinco milhões de pessoas. A pesquisa foi feita nas seis principais regiões metropolitanas.

O novo perfil sócio-econômico do país detectou ainda uma mobilidade social, que tirou dois milhões de pessoas da pobreza. A pesquisa "A Nova Classe Média" foi feita pelo economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), do Rio. O levantamento usou a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2006), ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

- O ingrediente deste bolo com mais fermento para os pobres e, nos últimos anos, para a classe média, é a recuperação do mercado de trabalho - disse Neri, calculando que, nos últimos 12 meses, foram gerados 1,8 milhão de novos postos de trabalho.

Para ele, a pesquisa mostrou que a ampliação dessa classe média não está relacionada a programas sociais, como o Bolsa Família.

Especialistas criticam critério da pesquisa

Os economistas João Saboia, da UFRJ, e Hildete Pereira de Melo, da UFF, concordam que houve uma melhora na renda e no acesso ao crédito, mas discordam do recorte da pesquisa. Ambos ressaltam que a faixa de renda da classe C considerada no trabalho é ampla demais, o que acaba criando distorções. Além disso, foi usado o conceito de renda domiciliar, e não o per capita.

- Uma família com duas pessoas que ganha R$4 mil tem uma situação diferente de quem ganha os mesmos R$4 mil e tem seis, sete pessoas na família - diz Hildete.

Além de revelar a ascensão de uma nova classe média, o estudo apontou redução do número de pobres e pequena expansão entre os mais ricos. A fatia das classes D e E (que ganha até R$1.064) caiu de 42,82% para 32,59% da população, entre abril de 2002 e 2008. A elite (acima de R$4.591) cresceu de 12,99% para 15,52%.

Em São Paulo, a classe média já representa 54,68% da população. Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio são as capitais com maior concentração de classe C: 53,90%, 53,67% e 52,42%, respectivamente.

Como definiu o Nobel de Economia Milton Friedman, a classe média é "aquela que tem um plano bem definido de ascensão social para o futuro". E nesses planos está incluído o consumo. A mineira Karine Pontes, que trocou Minas Gerais pelo Rio, realizou o sonho da casa própria, junto com o marido. Eles compraram um apartamento em Vila Isabel por R$130 mil.

- A classe média está comprando de tudo um pouco, de computador a automóvel - comenta Neri, explicando que o ânimo consumista está sendo alimentado pelo aumento do emprego com carteira assinada.

O economista Paulo Mol, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), corrobora a análise de Neri, acrescentando que a indústria passou a ser um dos grandes protagonistas do mercado de trabalho. O movimento de expansão da economia criou um novo paradigma: se antes o problema era gerar emprego, hoje a preocupação é com a qualidade da mão-de-obra.

Apesar do apagão de mão-de-obra, a probabilidade de alguém pertencer à classe média e ascender para as camadas mais altas é maior do que há seis anos, disse Mol.