Título: Onze pacientes fora da fila receberam fígado
Autor: Alves, Maria Elisa
Fonte: O Globo, 02/08/2008, Rio, p. 19

Auditoria do Ministério da Saúde mostra que cirurgias de "pacientes fantasmas" teriam sido feitas em clínica particular

Maria Elisa Alves

Uma auditoria realizada pelo Ministério da Saúde no Rio Transplante, do dia 4 a 20 de dezembro de 2007, constatou que, entre as irregularidades supostamente cometidas pelo cirurgião Joaquim Ribeiro Filho, preso na quarta-feira pela Polícia Federal, acusado de burlar a fila única para transplantes de fígado no Rio, estaria a criação de "pacientes fantasmas". De acordo com documento obtido pelo GLOBO, 11 pessoas que sequer estavam na lista de espera por um novo órgão conseguiram ganhar um fígado. As operações "fora da fila" teriam sido feitas pelo médico, ex-coordenador do Rio Transplante, na Clínica São Vicente, particular.

Segundo o relatório preliminar da auditoria, dois pacientes fora da lista foram operados em 1997. No ano seguinte, sete pacientes cujos nomes não estavam na relação foram contemplados com fígados novos. Uma mulher foi beneficiada em 2000 e um homem em 2005.

Integrantes de equipe teriam operado sem autorização

O documento do Ministério da Saúde, elaborado por seis técnicos, tem 47 páginas e mostra que a ordem da fila seria costumeiramente ignorada por Joaquim e sua equipe. Ele teria operado, por exemplo, pacientes que estavam em 311º, 176º e 142º lugares. Dos 59 operados em 2005, 2006 e 2007, por exemplo, apenas 13 estariam na primeira posição. A equipe do Hospital Geral de Bonsucesso também aparece no relatório como tendo operado pacientes em décima posição na lista.

Membros da equipe de Joaquim também são suspeitos, segundo o documento, de operar sem estar devidamente credenciados no Ministério da Saúde para a realização de transplantes de fígado. Mesmo depois de ter sido afastado da equipe do Hospital do Fundão, o próprio Joaquim teria feito pelo menos duas cirurgias na São Vicente.

Entre 1997 e 2007, o médico teria feito 53 transplantes de fígado na clínica particular. Ao comparar os nomes dos pacientes com a lista do Rio Transplante, os técnicos do Ministério da Saúde perceberam que 24 doentes aparecem como tendo recebido o órgão em hospitais públicos(19 no Fundão e cinco no Bonsucesso). A auditoria não especifica se os transplantes que constam como realizados em hospitais públicos foram faturados, fazendo com que Joaquim recebesse duas vezes.

Segundo o advogado Paulo Ribeiro, um dos que defendem Joaquim - preso em Bangu 8 -, o relatório é preliminar e, à época da sua elaboração, o cirurgião não foi ouvido. De acordo com o advogado, Joaquim esclareceu todos os pontos ao Ministério da Saúde e não cometeu qualquer irregularidade.

Amigos de médico divulgam carta apoiando cirurgião

Ontem, amigos de Joaquim divulgaram uma carta de apoio e desagravo ao médico. O manifesto, enaltecendo a carreira e a conduta de Joaquim, diz que, "antes de condenar publicamente os cidadãos, é preciso prudência e ponderação." Afirma ainda que o tema dos transplantes é delicado e cheio de nuances: "transplantar um órgão não é o mesmo que montar um robô".