Título: Não é só renda que define a pirâmide social
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 07/08/2008, Economia, p. 26

Ao comentar estudo, sociólogo do Iuperj diz que identificar ocupação é importante para perceber mobilidade

O crescimento da fatia da população com renda domiciliar entre R$1.064 e R$4.591, que corresponde à classe média no estudo divulgado anteontem pelo chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri, demonstra apenas que a renda do brasileiro cresceu nos últimos seis anos, na opinião do sociólogo do Iuperj Adalberto Cardoso. Para ir além e qualificar esse aumento, seria necessário avaliar em quais ocupações profissionais está essa população recém-inserida no meio da pirâmide de renda.

Pesquisa da FGV mostrou o crescimento da classe média, com base na renda familiar. Só isso basta?

ADALBERTO CARDOSO: A pesquisa não foi feita com a renda per capita (rendimento dividido pelo número de pessoas da família) nem estabeleceu diferenças regionais. Fixar o ganho da classe média entre R$1 mil e R$4 mil é arbitrário. Por que não de R$1.100 a R$5 mil? Estabelecer que as famílias com renda de R$1 mil são da classe média é temerário. A região também importa: uma coisa é ganhar R$4 mil em São Paulo, outra é ganhar a mesma coisa no Nordeste.

Como se poderia avaliar melhor essa ascensão social?

CARDOSO: O ideal seria avaliar em quais ocupações essa população está empregada. Um operário pode ganhar R$1 mil e estar incluído nessa faixa pela renda. Mas, na estrutura social, ele é um operário. Tradicionalmente, a classe média está no setor de serviços e no comércio. E não no operariado fabril. Olhando dessa forma, acaba-se misturando alhos com bugalhos.

Mas a renda não é um indicativo importante?

CARDOSO: Sem dúvida, a pesquisa mostrou que houve ganho de renda com a melhoria do mercado de trabalho e os aumentos do salário mínimo. É um entendimento de pesquisa de mercado, que deseja avaliar o potencial de consumo, dividindo em classes. Mas é preciso mais informações para ter compreensão da estrutura social. Os dados de renda mostram a queda da pobreza e da desigualdade. Isso, sim, é possível medir somente com a renda. As ocupações são uma forma de perceber melhor a estrutura social.

De que maneira seria possível perceber essa mobilidade nos últimos anos?

CARDOSO: Uma maneira seria saber quais ocupações estão crescendo. Mesmo dentro da indústria, se há crescimento nas atividades administrativas e gerenciais. No âmbito da administração pública também. Se as vagas abertas são de nível médio, em conjunto com o ganho de renda.

O crescimento da classe média, medida pela renda, é sustentável, vai se manter nos próximos anos?

CARDOSO: Se a inflação alcançar 15% num ano, quem ganha R$1 mil vai perder muito. E, de um ano para o outro, aquela família pode deixar de ser classe média.

E se a inflação permanecer comportada, e o Brasil seguir crescendo?

CARDOSO: Se a melhoria no mercado for continuada, será preciso corrigir todas as faixas de renda. Para ter uma consistência sociológica, é preciso mais informações. (Cássia Almeida)