Título: Educação e trabalho, símbolos da classe média
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 07/08/2008, Economia, p. 26

Para especialistas, nível educacional e prestígio do emprego podem indicar se avanço do segmento social é sustentável

Cássia Almeida

A notícia de que a classe média é maioria no Brasil (51,89%), dada anteontem pelo economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), levantou a pergunta se o crescimento da renda realmente trouxe mobilidade para a sociedade brasileira. Sociólogos e economistas acreditam que é preciso avaliar outros indicadores além da renda para saber se houve ascensão social no país, mostrada pela pesquisa de Neri e por pesquisas de potencial de consumo de outros institutos.

O nível educacional desses novos remediados e que tipo de trabalho gera essa renda adicional são necessários para ver se o meio da pirâmide mais gordo vai se manter nos próximos anos, ou se vai ser abalado por alguma mudança negativa no cenário econômico.

- Em 2005, um terço dos jovens entre 18 e 25 anos não tinha o ensino fundamental completo - chama a atenção a economista e estudiosa de pobreza e desigualdade do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets) Sônia Rocha.

Alta da renda é recente, diz pesquisadora

Ela lembra que a renda começou a subir só a partir de 2004. Portanto, segundo ela, ainda é muito cedo para saber se essa situação se manterá nos próximos anos. A complexidade do conceito de classe média também dificulta a análise.

- Esses conceitos são pouco amarrados até na literatura. Na tradição sociológica, não contam apenas renda e consumo, há comportamento.

Neuma Aguiar, professora titular de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cita a qualidade do trabalho para poder medir a ascensão social:

- Numa análise sociológica, é importante considerar a educação e ter uma medida do prestígio das ocupações.

Ela se pergunta, diante do fato de que a faixa do meio da pirâmide da renda cresceu, se a fonte dos ganhos é estável:

- Qual a origem da renda?

O nível educacional é outro indício a ser investigado, a partir da melhoria salarial que o aumento de anos de estudo traz para o trabalhador brasileiro. Para ela, são "impressionantes no Brasil os efeitos da educação na renda".

- Atingindo melhoria em níveis educacionais, a ascensão é mais estável.

Incertezas sobre a queda futura da desigualdade

A socióloga lembra que, nos estudos de mobilidade social, a comparação entre a situação dos pais e dos filhos é necessária para saber se houve ascensão social de fato.

Para Sônia Rocha, o fato de ter crescido a renda na base da pirâmide trouxe desejo de consumo para essa população semelhante ao da classe média.

- Se tem mais dinheiro, compra-se iogurte. Um fenômeno que vimos muito no Plano Cruzado e no Real. O apelo da publicidade trouxe novos padrões de consumo.

Mas o ganho de renda somente pode tornar o sonho da classe média mais fugaz. Ela lembra que quem se endividou acreditando num ganho de salário contínuo pode ter problemas. Sônia cita a inflação maior e a expansão econômica menor em 2009.

- É um aumento que não se sustenta. Não está respaldado em qualquer patrimônio.

A economista teme ainda que a falta de qualificação da mão-de-obra, que já se tornou ponto de estrangulamento da economia brasileira, freie ou até pare o processo de queda da desigualdade no Brasil:

- Como há falta de pessoal qualificado, esses profissionais tendem a ser mais valorizados. Portanto, pode aumentar a desigualdade.