Título: Cresce a angústia de quem espera transplante
Autor: Candida, Simone
Fonte: O Globo, 10/08/2008, Rio, p. 24

Pacientes temem que notícias sobre fraudes para desvio de órgãos reduzam ainda mais as doações no Estado do Rio

Há dois anos na fila aguardando por um transplante de fígado, a estudante de fisioterapia Elaine Alves da Silva, de 29 anos, tem vivido nos últimos 11 dias momentos de ainda maior apreensão e expectativa. Até o dia 30 de julho, quando a Polícia Federal deflagrou a Operação Fura-Fila ¿ para combater um suposto esquema de desvio de órgãos ¿, Elaine ocupava o primeiro lugar no ranking de doentes aptos a receber um novo órgão no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Fundão). Agora, Elaine torce para que os escândalos não tornem sua espera ainda mais longa. Ela não é a única. Médicos, pacientes e parentes de doentes temem que as denúncias de fraude atrapalhem ainda mais a captação de órgãos no estado.

¿ Só espero que diante disso tudo as pessoas não se esqueçam que nós continuamos aqui precisando de solidariedade. A doação de órgão de um parente morto é um ato de humanidade e quem está na fila depende disso ¿ apela Elaine, que anteontem esteve na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Duque de Caxias para realizar os novos exames exigidos pela Secretaria estadual de Saúde no recadastramento da listagem de transplantes. ¿ Tenho esperanças de que tudo vai voltar ao normal em breve.

Pacientes e parentes ficaram abalados

Ver notícias sobre o sistema de transplantes na páginas de polícia dos jornais tem deixado pacientes e parentes de doentes abalados. X., filho de um aposentado que está há mais de quatro anos na fila, confessa que anda sofrendo de depressão desde que as denúncias de fraude foram divulgadas.

¿ Tenho chorado o dia inteiro. Estou decepcionado com o sistema. Sinceramente, não sei mais o que fazer. Tento manter a força e a esperança por causa dele. Este tempo todo em que ele está na fila, eu já vi seis crises naquele hospital. Não sei onde tudo vai parar ¿ desabafa X., que prefere não ter o nome revelado por medo de que seu parente seja prejudicado.

Depois da operação Fura-Fila, ainda não foi realizado nenhum transplante de fígado no Estado do Rio, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde. Nestes onze dias, houve duas notificações para doação que acabaram não sendo efetuadas por problemas com os órgãos. Mas, segundo a superintendente de Atenção Especial da Secretaria de Saúde, Hellen Miyamotto, que administra a Central de Transplantes, ainda não há motivo para preocupação:

¿ O número de doações sempre foi muito baixo no estado: cinco doadores para cada um milhão de habitantes. A média nacional é de 7,2 ou 7,4. Ou seja: o estado já estava abaixo da média. Ainda é um período muito curto para avaliarmos se houve queda nas doações. Depois da operação, não ouve nenhum doador viável, mas houve duas notificações para doação que, infelizmente, não foram possíveis. Num dos casos, o coração do doador parou de bater, e não pudemos aproveitador o fígado. No outro, o doador tomava um medicamento que inviabilizava o transplante ¿ disse Hellen Miyamoto.

Doentes preparam manifestação

O clima de incerteza, no entanto, inibe a oferta, na opinião do coordenador da equipe de transplante do Hospital do Fundão, Sílvio Martins:

¿ Nossa experiência mostra que, quando acontece algum incidente como este, independentemente de os fatos serem verídicos ou não, as pessoas tendem a não querer doar os órgãos dos parentes mortos. Sempre há uma queda na doação quando ocorre algo assim ¿ lamenta o médico.

Para tentar acabar com este clima de pessimismo, um grupo de pacientes e parentes de pessoas que estão na fila do Hospital Clementino Fraga pretende organizar na próxima terça-feira, às 11h, uma manifestação na porta da unidade de saúde. Lília Maria de Souza Borges, de 23 anos, que dia 12 de julho recebeu um fígado no Hospital Universitário, estará à frente do movimento.

¿ É uma manifestação para mostrar para todo mundo que nós queremos o hospital funcionando, que queremos respeito e que os pacientes continuam na fila, precisando de doações. Queremos, inclusive, nossos médicos de volta ¿ disse.