Título: Obstáculos no Mercosul
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 12/08/2008, Opinião, p. 7
O fracasso da Rodada Doha e o adiamento para os próximos dois ou três anos da liberalização do comércio agrícola e industrial, da redução dos subsídios e da maior transparência nas regras que regulam o intercâmbio global não significam nenhum desastre para o Brasil.
Caso o acordo tivesse sido fechado, os resultados, segundo foi noticiado, seriam reduzidos e não imediatos.
Não ficou claro se a abertura industrial maior em troca de um melhor acesso para produtos agrícolas seria equilibrada, já que o nível de ambição brasileira foi sendo reduzido a fim de permitir a conclusão da rodada. Sem acordo, a delegação não teve de retornar com o ônus de ter respaldado proposta que restringia acesso de produtos agrícolas ao mercado chinês e indiano, e que determinava a obrigação de negociar dois acordos setoriais na área industrial.
Ao ceder rápido, no dizer do negociador argentino, e se colocar ao lado dos países desenvolvidos, e, portanto, contra o G-20 e a Argentina, o Brasil ficou bem na foto, o que poderia credenciar o país para o cargo de diretor-geral da OMC.
A mudança de posição foi acertada. "Atendeu ao interesse nacional", disse o ministro Celso Amorim, parecendo reconhecer que a prioridade da Rodada, a defesa das posições do G-20 e da unidade do Mercosul foram equivocadas e contrárias ao nosso maior e melhor interesse.
A politização das negociações comerciais e a prioridade atribuída aos países em desenvolvimento (Sul-Sul), relegaram para um segundo plano os países desenvolvidos maiores e mais dinâmicos. Nenhum acordo comercial significativo foi assinado.
Dentro desse contexto, caberia reexaminar a estratégia de priorizar as negociações multilaterais "para concentrar em coisas que dão resultados".
Para levar adiante essa política, sem novos impasses, a obrigação dos países membros do Mercosul de negociar com terceiros países com uma única voz deveria ser reexaminada. Enquanto isso não ocorrer, dificilmente será possível enfrentar o desafio de levar adiante negociações bilaterais entre o Mercosul e outros países extra-região.
Dentre as alternativas possíveis, a nova estratégia deveria focalizar, no tocante aos acordos individuais do Brasil, a abertura de negociações bilaterais com países da região (Brasil/América do Sul) a fim de ampliar reciprocamente, pelo menos nos níveis acordados na Rodada Doha, as preferências negociadas no âmbito da Aladi. Nosso objetivo deveria ser o de finalizar um acordo de livre comércio com o México e equalizar as tarifas concedidas pelos países membros da Aladi nos acordos de livre-comércio com os EUA (México, Chile, Peru e Colômbia).
Impõe-se uma nova política de promoção comercial com relação aos países desenvolvidos, em especial os EUA. Na impossibilidade de os EUA aceitarem negociar um acordo bilateral, sem regras relacionadas ao comércio, como quer o Brasil, poderia ser ampliada a facilitação do comércio e examinados alguns acordos setoriais de interesse dos dois países.
A anunciada decisão do governo de dar prioridade aos acordos bilaterais no âmbito do Mercosul, para ser bem-sucedida, terá de superar a diferença de atitude dentro do bloco: ofensiva do Brasil e defensiva da Argentina. Essa situação tornou inviável a conclusão dos entendimentos com a União Européia em 2004 e mais recentemente com os países do Golfo. Seria de nosso interesse estender o número de produtos existentes no acordo com os países andinos (Mercosul/CAN) com vistas à formação de uma área de livre-comércio na América do Sul e a abertura de negociações com países extrazona de mercados significativos, como a União Européia e alguns países asiáticos, como a Coréia.
Caberia ao Congresso proceder a uma análise técnica e não política sobre a oportunidade e a conveniência do ingresso da Venezuela, antes de completar as negociações previstas no Protocolo de Adesão.
Nesse contexto, não pode ser adiado o fortalecimento da Camex, o órgão governamental competente para coordenar o trabalho de definição de uma nova estratégia de negociação comercial.
O Brasil tem interesses próprios a defender. O setor privado espera poder participar como parceiro e influir nas discussões com o governo para reavaliar a atual política comercial externa a fim de definir o curso de ações para os próximos anos num mundo em transformação, complexo e altamente competitivo.
RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).