Título: Agora, nem condenado ele está
Autor: Rebello, Aiuri
Fonte: O Globo, 09/08/2008, O País, p. 3

POLÊMICA JURÍDICA

Decisão do STF de anular julgamento de homicida por uso de algemas revolta família da vítima

Aiuri Rebello*

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir o uso indiscriminado de algemas pela polícia e no âmbito da Justiça mexeu diretamente com a vida de duas famílias da pequena Laranjal Paulista, cidade de 23 mil habitantes a 175 quilômetros de São Paulo. Foi lá que, em 7 de setembro de 2003, o pedreiro Antônio Sérgio da Silva matou a facadas o marceneiro Marcos Djalma de Souza Soares, com 38 anos na época, após uma discussão em um bar da cidade. Antônio, que alega legítima defesa, fora condenado a 13 anos e meio de prisão pelo crime, mas a decisão do STF anulou a sentença porque ele estava algemado no julgamento.

A dona-de-casa Lázara Aparecida Arantes, ex-mulher do marceneiro morto, não se conforma com a decisão do Supremo.

- Ficamos felizes quando o assassino foi condenado. Ele foi solto menos de um mês depois. Agora, nem condenado mais está. Há justiça neste país? - questiona.

Condenação fora por 7 votos a zero

Por unanimidade, o STF anulou o julgamento por entender que, como o réu ficou de algemas durante todo o julgamento, isso caracterizou um "constrangimento ilegal". Os ministros entenderam que o fato de o réu estar algemado pode ter influenciado na decisão dos sete jurados, que o condenaram por sete votos a zero na acusação de homicídio triplamente qualificado.

Lázara já estava divorciada do marceneiro havia vários anos quando ele foi assassinado, mas conta que sempre manteve um bom relacionamento com o pai de seus quatro filhos. A dona-de-casa é categórica na avaliação da decisão do STF, que anulou a condenação do assassino de seu ex-marido.

- Todo assassino que está na cadeia é transportado algemado para todos os lados, inclusive o Fórum, pois, afinal de contas, já matou uma pessoa. Por que com ele tem de ser diferente? - questiona Lázara. - Será que era motivo para terem anulado a condenação, já que nem o assassino nega o que aconteceu?

De acordo com ela, os filhos do casal sentem até hoje a perda do pai, que definem como amoroso e sempre presente nas horas difíceis.

- O mais velho, Jefferson, que tem 24 anos, sofre muito com a perda do pai. Sempre que ele lembra, chora. O pior é a sensação de impotência. A Justiça decidiu, não temos o que fazer, né? - lamenta Lázara.

Ela afirmou que o ex-marido tinha boa índole:

- O Marcos era encrenqueiro, fanfarrão. Mas nunca foi má pessoa, nem andou armado como o assassino.

O marceneiro assassinado teve nove filhos em Laranjal Paulista, com três mulheres diferentes. Um deles morreu no parto. Lázara lamenta a motivação do crime:

- Foi uma besteira, briga por causa de mulher.

Acusado responde a outros 20 processos

Durante o julgamento, nenhuma testemunha do crime depôs a favor do acusado. O pedreiro Antônio Sérgio tem mais de 20 processos na cidade por brigas e desacato a autoridade, entre outras confusões.

De acordo com a família da vítima, o marceneiro ainda tentou fugir e implorou pela própria vida.

- Durante a briga no bar, ele saiu correndo e se escondeu, mas o outro (o pedreiro) achou ele. Na hora da facada, pediu desculpas e implorou pela própria vida, mas não adiantou - afirma a ex-mulher.

A promotora do caso, Fabiana Maria Novaes Cantanelli (responsável pela acusação judicial contra o pedreiro), do Ministério Público de Laranjal Paulista, disse que a decisão do Supremo não deve ser questionada.

- No dia do tribunal do júri, a defesa pediu que fossem retiradas as algemas. Fui contra, e a juíza concordou, pois a praxe, até a nova decisão do STF, era a de que réus presos por crime hediondo fiquem algemados.

Ela disse ainda que aguarda a data do novo julgamento e atuará da mesma forma que no primeiro, pedindo a condenação do pedreiro.

Do Diário de S.Paulo