Título: O santo é de barro
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 09/08/2008, Opinião, p. 7

Na coluna de sábado retrasado, fiz o meu protesto contra a pancada na taxa de juro. Comentei que a ata da reunião em que o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) explicaria o aumento de 0,75 ponto percentual na taxa Selic, a ser divulgada na semana seguinte, deveria explicar com especial cuidado as razões que levaram a essa decisão radical e, para muitos, inesperada.

Nesse meio tempo, a ata do Copom foi divulgada. As explicações foram convincentes? Bem, esses assuntos sempre são controvertidos, e não só no Brasil. Não há forma tecnicamente inequívoca de avaliar as decisões de um banco central.

Feita a ressalva, parece razoavelmente claro que o Copom errou na mão. Não vou insistir no fato algo embaraçoso, e já bastante comentado na imprensa, de que a inflação começou a ceder logo depois da decisão do Copom, em razão da queda de preços de alimentos. Muitos observaram que esse fato reforçava o argumento de que a elevação da Selic em 0,75 ponto percentual não era a rigor necessária.

O que eu queria destacar é que dados apresentados na própria ata do Copom sugerem que houve exagero.

Uma medida da tendência da inflação é o chamado núcleo inflacionário. Em tese, esse núcleo anteciparia a inflação, ainda que de forma imperfeita. Há várias maneiras de calculá-lo. A ata do Copom apresenta três cálculos para o IPCA: o núcleo calculado por exclusão de preços monitorados e de alimentos no domicílio, o núcleo por médias aparadas com suavização e o núcleo por médias aparadas sem suavização.

No que se refere à variação acumulada em 12 meses até junho, as três medidas de núcleo registram aumentos nos últimos meses, mas continuam bem abaixo do teto da meta oficial de inflação (6,5%) e do IPCA (6,1% até junho), variando entre 4,7% e 5,4%. O núcleo do IPC-Br, índice calculado pela Fundação Getulio Vargas, apresenta variação ainda menor - 3,8% nos 12 meses até junho, ficando abaixo do centro da meta oficial (4,5%).

As expectativas de mercado para a inflação em 2009, tal como captadas em levantamento semanal do Banco Central, também não parecem dar motivo para grande preocupação. A projeção mediana está estacionada em 5% há algum tempo, bem abaixo do teto da meta oficial.

Outro indicador relevante é o índice de difusão, definido como a proporção dos itens de um índice de preços que apresenta variação positiva. Esse índice dá uma idéia do grau de disseminação do processo inflacionário. Segundo a ata do Copom, o índice de difusão do IPCA diminuiu de maio para junho, passando de 71,4% para 67,2%.

Há indicações de que a expansão da demanda possa ter contribuído para o aumento da inflação brasileira? Sim, mas esse não é o fator dominante. A principal causa é o forte aumento dos alimentos e de outras commodities nos mercados mundiais.

Em todos, ou quase todos os países que têm suas contas discutidas aqui na diretoria do FMI, o quadro é parecido no que se refere à inflação: observa-se um aumento considerável em 2008, sobretudo nos países em desenvolvimento, mas também nos desenvolvidos. Na maioria dos casos, a principal causa é o choque de preços dos alimentos, do petróleo e de outras commodities. O Brasil continua a ser, aliás, um dos países em desenvolvimento que apresenta bons resultados em matéria de inflação.

Isso não significa, é claro, que o governo brasileiro não deva moderar o ritmo de crescimento da demanda. Mas sem radicalismos e sem comprometer a continuidade do crescimento econômico e da geração de empregos.

As taxas de desemprego e subemprego diminuíram, mas ainda são elevadas. A economia ainda dispõe de margens de capacidade produtiva não aproveitada. E a sustentação de níveis elevados de investimento permitirá que essa capacidade continue aumentando.

Não se deve perder de vista que o atual ciclo de crescimento interrompe um longo período de estagnação econômica, que remonta ao início da década de 1980. Por isso, devagar com o andor.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.