Título: Anulação de julgamento poderá gerar outras ações
Autor: Barbosa, Adauri Antunes; Duran, Sérgio
Fonte: O Globo, 09/08/2008, O País, p. 8

POLÊMICA JURÍDICA: Juristas e advogados analisam votos

Especialistas concordam, porém, com decisão do STF

Adauri Antunes Barbosa e Sérgio Duran

RIO e SÃO PAULO. A maioria dos advogados e juristas ouvidos ontem pelo GLOBO concordou com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de limitar o uso de algemas por policiais, além de anular a condenação de um homicida porque ele fora mantido algemado durante o julgamento. Apesar de defender a restrição imposta pelo STF, o procurador regional eleitoral do Rio, Rogério Nascimento, discordou da anulação do julgamento do pedreiro Antônio Sérgio da Silva, condenado por homicídio triplamente qualificado.

- A idéia é correta. Não é necessário o uso de algemas em todas as situações. O que não concordo é que esse uso específico da algema tenha como conseqüência chegar a influir no julgamento justificando sua anulação - disse o procurador: - Se valeu o julgamento nulo porque o acusado estava algemado, significa que teremos que rejulgar muitos e muitos processos Brasil afora.

Além de Nascimento, o deputado Antonio Carlos Biscaia (PT), ex-secretário Nacional de Segurança Pública, discordou da anulação do julgamento. Outros especialistas defenderam a decisão do STF, entre eles o presidente em exercício da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Cláudio Dell"Orto:

- A decisão do STF vem em uma seqüência que traz o reconhecimento de que as algemas só devem ser usadas em casos de risco de violência ou risco de fuga por parte do acusado. O uso de algemas deve ser feito de forma que não pairem dúvidas, que não alimente a idéia de condenação prévia do acusado - afirmou.

"É provável que outras anulações sejam pedidas"

Por causa da súmula vinculante, o caso analisado pelo STF deve suscitar novos pedidos de anulação de julgamentos, segundo o secretário geral do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana, Ariel de Castro Alves:

- É muito provável que outras anulações sejam pedidas. A maioria (dos juízes) não pede mais o uso de algemas. É evidente que a imagem de um réu sem algemas é outra. Imagine uma pessoa de terno e gravata, sem algemas, e outra algemada, com uniforme de preso - disse.

Advogado do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado de Mônaco há menos de um mês, em nome de quem conseguiu mês passado o primeiro habeas corpus no país que dispensou o uso de algemas, Carlos Ely Eluf defendeu a decisão do Supremo:

- O uso de algemas transmite a impressão de periculosidade não compatível com a pessoa. É uma decisão correta. E também acaba com um conceito demagógico, muito difundido, de que se tiram as algemas dos ricos e deixam para os pobres. Não se pode comparar, por exemplo, um Daniel Dantas com um Fernandinho Beira-Mar ou aquele rapaz que esquartejou a moça inglesa. A periculosidade é bastante diferenciada.

Militante dos direitos humanos, o advogado Dalmo Dallari concordou com a premissa em que o STF se baseou para restringir o uso de algemas: só em casos de perigo de fuga e violência. Ele disse que, como no caso analisado pelo STF, outros juízes poderão evitar o "exagero"de manter réus algemados.

- Naquele caso do pedreiro houve, digamos, um exagero do juiz. Já vi muitos casos assim. Mas também já vi casos de juízes que mandaram tirar as algemas - disse Dallari.

O vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Roberto Soares Garcia, lamentou que a decisão tenha demorado tanto:

- A decisão do STF representa um avanço enorme para o nosso Direito, no sentido de respeito às garantias de todos os cidadãos, pobres ou ricos. Só lamento que o Supremo declare algo tão óbvio apenas agora, no vintenário da Constituição.

Professor critica "espetacularização" da PF

O professor Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, da PUC-SP, disse esperar que a decisão acabe com "espetacularização das investigações, com a humilhação pública dos investigados", referindo-se às operações da Polícia Federal.

Biscaia, porém, afirmou que a decisão está na "contramão dos anseios da sociedade".

- Discordo inteiramente da decisão do STF. A decisão unânime dos jurados, em caso de homicídio, não seria influenciada pelo uso das algemas. Decisões como essa estão na contramão dos anseios da sociedade brasileira, que não tolera mais a impunidade.