Título: Trégua na inflação
Autor: Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 09/08/2008, Economia, p. 29

DE OLHO NOS PREÇOS

Alimentos desaceleram para 1% em julho. Em 12 meses, porém, IPCA é o maior desde 2005

Cássia Almeida

Depois de meses de corrosão crescente da renda do brasileiro, a inflação deu um pequeno alívio. A semana começou com a redução pelo mercado das expectativas de alta para este ano - de 6,58% para 6,54% - e terminou com deflação de 0,01% na prévia de agosto do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). É a primeira deflação da taxa desde maio de 2007. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado ontem pelo IBGE e que orienta o sistema de metas de inflação, foi mais uma notícia boa, mostrando a que a alimentação subiu em julho 1,05%, metade do registrado no mês anterior (2,11%). Ainda assim, os preços preocupam: nos últimos 12 meses, o IPCA acumula 6,37%, a maior taxa desde julho de 2005.

Pelo segundo mês, a inflação ficou menor. Em julho foi de 0,53%, ligeiramente abaixo das projeções e inferior ao 0,74% de junho. No ano, o índice está em 4,19%. A meta anual fixada pelo governo é de 4,5% para este ano, podendo chegar a 6,5%.

- Os alimentos, que vinham subindo forte, tiveram recuo significativo em julho. Desonerações importantes, principalmente no trigo, e o anúncio da excelente safra agrícola motivaram essa subida menor. Mas ainda é cedo para dizer que é uma tendência - disse Eulina Nunes, coordenadora do Sistema de Índice de Preços do IBGE.

A maioria da cesta de alimentos pesquisada pelo instituto teve altas menores em julho, e alguns produtos, como arroz (-0,51%), pão francês (-0,11%) e batata (-6,40%), ficaram mais baratos. Mesmo com a elevação menor do grupo, a alta dos alimentos respondeu por 45% do índice de julho. Considerando-se os primeiros sete meses do ano, os produtos alimentícios já subiram 9,78%, pouco menos que os 10,79% de todo o ano passado.

Analista: situação mundial é frágil

Moradora do Flamengo, a aposentada Elvira Miranda ainda não sentiu no bolso o alívio registrado na inflação do alimentos.

- Faço compras quase todos os dias e, para mim, nenhum preço de alimento baixou. Eu não deixo de comprar nada porque aumentou R$5, mas para muita gente faz diferença.

Já a empregada doméstica Vitória Costa diz que já dá, sim, para ver nas prateleiras a redução de preço de alguns produtos, embora não espere melhora nas contas do mês.

- Percebi que o preço da farinha de trigo diminuiu, mas foi muito pouco. Ainda não dá para fazer economia - constata Vitória.

O professor da PUC Luiz Roberto Cunha reconhece a melhoria na trajetória dos preços, mas alerta que a situação mundial não é confortável:

- O movimento especulativo com as commodities agrícolas que provocou a subida forte nos últimos meses se dissipou. Por isso, essa queda nos preços. Mas o equilíbrio entre a oferta e a demanda por alimentos no mundo está muito frágil.

E a deflação captada pelo IGP-M nos preços no atacado não deve ser repassada para o consumidor totalmente, segundo Cunha.

- Da mesma forma, não houve repasse total da alta. Além disso, o IPG-M não é um bom indicador de tendência de inflação. Em junho, a taxa foi de 1,97%. Em julho, de 1,55%. E agora, -0,01%. Os preços agrícolas e no atacado são muito voláteis.

Não foi só a alta menor dos alimentos a boa notícia trazida pelo IPCA. A média dos chamados núcleos da inflação - que retiram as variações mais fortes - caiu de 0,5% em junho para 0,39% em julho. A parcela de itens que subiu ficou menor: 59,4% contra 67,2% no mês anterior.

- O temor que o teto da meta de 4,5% fosse ultrapassado diminuiu. Em agosto, nossa projeção do IPCA está em 0,40%. Taxa menor que os 0,47% do ano passado. Assim, o acumulado em 12 meses deve cair dos atuais 6,37% para 6,30% - diz o economista-chefe da Corretora Concórdia, Elson Teles.

Se isso realmente ocorrer, a taxa em 12 meses deve cair pela primeira vez desde fevereiro de 2007.

BC deve manter aperto nos juros

Mas o centro da meta, de 4,5%, deve ficar para trás já em agosto. Com as projeções em 0,40% para este mês, a taxa vai superar o alvo quatro meses antes do fim do ano.

No IGP-M, Teles acredita que a deflação se intensifique no fim do mês, chegando a -0,10%. Mesma percepção tem Cunha. Para ele, o índice fechará o ano perto de 11%, inferior aos 13,99% dos últimos 12 meses. Ambos concordam que o alívio recente na inflação não mudará os rumos da política monetária. O aperto de 0,75 ponto percentual nos juros deve se repetir na próxima reunião do Banco Central, em setembro.