Título: CPI da soberba
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 19/05/2009, Economia, p. 17

Se Petrobras tivesse esclarecido a tempo seus atos investigados, a oposição estaria sem discurso.

A tentativa de senadores do PSDB, com apoio reticente do DEM e de dissidentes do PMDB, de instalar uma aprovada mas não implementada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Petrobras já é um fato político. Mas só vai adquirir relevância se o governo mover o mundo para impedir o seu prosseguimento, e, obviamente, dependendo da consistência e gravidade das denúncias a investigar.

Ambas as iniciativas são do jogo político. Nenhum partido usufruiu mais do instrumento que o PT quando na oposição. Não conseguiu instalar nenhuma em Brasília durante a octaetéride de FHC ¿ nem em São Paulo, onde o governo tucano de Geraldo Alckmin barrou mais de vinte pedidos de CPI, a maioria proposta por deputados petistas, que seguem tentando, também sem sucesso, na gestão de José Serra.

Governo algum gosta de ser investigado, e, no entanto, nada é tão democrático como o escrutínio sistemático das atividades públicas. Escândalo não é a apropriação das CPIs para fins políticos, como o governante alega para sustá-las. Escandaloso é que senadores, por exemplo, apelem à instância extrajudicial da CPI ¿ que por isso se desgastou, já que pedida para tudo ¿, para sabatinar uma estatal.

A CPI da Petrobras, antes de ser um desdouro à empresa, como o presidente Lula retrucou, variando entre ¿impatriótica¿ e coisa de ¿irresponsável¿ as suas acusações, é o flagrante da ociosidade dos senadores. Uma estatal com o tamanho da Petrobras, quase um Estado dentro do Estado, responsável por 12% do PIB do país, consolidando toda a sua cadeia de valor econômico, deveria ser alvo não de CPI, um recurso excepcional, mas de comissão permanente do Senado.

É mais ao Senado que à Câmara, instância legislativa por vocação, que cabem as atividades regulares de supervisão do Estado, hoje delegadas ao Tribunal de Contas da União, ao Ministério Público e à Polícia Federal, dando caráter policialesco ao que seria rotina dos senadores. Pior é que o Senado só acordou por causa disso.

TCU, MPF e PF estão com vários processos abertos questionando ou investigando atos da empresa. Elas vão da licitação de plataformas de exploração de petróleo ¿ denúncia antiga, sem que se saiba qual desfecho, se é que haja algum ¿ às obras de terraplanagem de uma refinaria em Pernambuco, supostamente superfaturadas. Tem também a denúncia de manipulação de royalties devidos a prefeituras e pagos pela estatal, envolvendo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Oportunismo eleitoral Os fatos determinantes que embasam o pedido de CPI estão aí, nos processos em curso em instâncias de investigação. Aliás, estavam há muito tempo. Se só agora atraíram o interesse da oposição, isso é porque a Petrobras não se preocupou em esclarecê-los assim como a oposição viu neles material para fazer barulho. Com motivação de chamuscar o governo, sem dúvida. A temporada eleitoral está aberta e tem na exploração dos recursos do pré-sal uma das bandeiras para projetar os feitos do governo e a candidatura do sucessor de Lula.

O pré-sal é fruto de investimentos acumulados por vários governos em pesquisa e exploração desde 1974, quando o general-presidente Ernesto Geisel mandou a Petrobras prospectar petróleo em alto-mar. No marketing de hoje, o pré-sal é coisa recente, não um processo.

Transparência opaca A política de cunho inaugural, tipo ¿nunca antes neste país¿, fez bem à imagem de Lula, mas despertou ressentimentos. Até por isso, a direção da Petrobras deveria ter sido mais prudente do que já lhe exige a condição de empresa aberta, com ações negociadas em bolsas de valores. Se as questões contraditórias sobre seus atos tivessem tido a devida transparência, a oposição estaria hoje sem discurso.

Não é a CPI que pode maculá-la enquanto negocia com o governo da China, por exemplo, financiamento para explorar o pré-sal, coisa de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões contra o pagamento em barris de petróleo. Problema é não se saber quase nada sobre ela.

A mãe dos escândalos O parlamentar não se leva a sério, permitiu-se apequenar-se com o tal ¿presidencialismo de coalizão¿, tornou-se representante de si mesmo, portanto, disponível à sedução de cargos e verbas esmoladas pelo governo a título de manter sua ¿governabilidade¿ ¿ esta sim a mãe de todos os escândalos, já que corruptora da independência dos poderes e da vontade do parlamentar. Não há problema em investigar a Petrobras, problema é que se faça por CPI, porque de outro modo, talvez, não se esclarecesse coisa alguma. Esse é o busílis.

Jogo bruto. E vazio A mistura de soberba com imprevidência trouxe a Petrobras à cena política. O governo corre para consertar o estrago. Primeiro, vai tentar obstar a instalação da CPI. Se falhar, tentará controlá-la, mas vai depender ainda mais de barganhas com o PMDB do Senado. Em linha paralela, satélites do PT tentam criar a narrativa de que a CPI teria a motivação oculta de tirar o pré-sal do Estado, visando pôr a opinião pública contra o PSDB e o governador José Serra. O jogo é bruto. Discutir a estratégia do pré-sal, se o seu controle deve passar a outra estatal, como quer o PMDB, ou sob a influência da Petrobras, coisas assim, de fato relevantes, ninguém discute.