Título: Relatório da Abin ajudará no combate ao tráfico
Autor: Filho, William Helal
Fonte: O Globo, 11/08/2008, O Globo, p. 14
Secretaria estadual de Segurança vai utilizar documento sobre treinamento militar de adolescentes em favelas
William Helal Filho
A Secretaria estadual de Segurança Pública vai utilizar o relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que cita o treinamento militar de jovens em favelas do Rio, em seu planejamento de combate ao tráfico. Conforme informou O GLOBO ontem, o documento da Abin mostra que jovens com passagem pelas Forças Armadas estão monitorando cursos de táticas militares para adolescentes de favelas como Pavão-Pavãozinho (Copacabana) e Cantagalo (Ipanema).
Em nota oficial, a Secretaria de Segurança comunica que "as informações entram na rede de dados da Subsecretaria de Inteligência, que alimenta os braços operacionais das polícias Militar e Civil e baseia o planejamento das ações de combate ao tráfico". O relatório da Abin, elaborado a partir de dados das polícias, menciona que traficantes oferecem R$300 mensais aos jovens que ingressarem nas Forças Armadas. São eles que se tornarão monitores dos cursos de tática militar nos arredores das favelas.
Especialistas não crêem em soluções a curto prazo
Para o sociólogo Ignácio Cano, membro do Laboratório de Análise de Violência da Uerj, não há o que se fazer, a curto prazo, para impedir que traficantes se alistem no Exército para obterem treinamento militar.
- Não vejo como as Forças Armadas poderiam identificar traficantes entre novos recrutas. E o relatório só vai ajudar a combater esses cursos se trouxer informações específicas de suas localizações - opina ele. - Há indícios de que o tráfico tem procurado mão-de-obra cada vez mais jovem só para poder pagar menos. Os mais novos são seduzidos com menos dinheiro.
A socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), afirma que seria uma ilusão do governo pensar que pode acabar de vez com o treinamento militar de adolescentes. Em sua opinião, operações para coibir esses cursos podem até desestruturar alguns deles, mas só ações sociais de longo prazo reduziriam o número de menores de idade no tráfico de drogas.
- Os jovens procuram o crime porque sabem que não conseguirão se incluir na sociedade. O traficante armado, com dinheiro e mulheres, vira o modelo a ser buscado. O governo tem que injetar recursos nas favelas e criar iniciativas como o AfroReggae e o Nós do Morro - comenta a especialista.
Presidente da ONG Uerê, no Complexo da Maré, Yvonne Bezerra de Mello acha que a razão para o ingresso de adolescentes nas facções criminosas é a deficiência no ensino nas escolas. Ela explica que muitos alunos em áreas de conflito têm traumas de violência e, sem conseguir absorver aprendizado, trocam a escola pelo tráfico.
- Essas crianças traumatizadas criam bloqueios de aprendizagem e saem da escola aos 10 anos, sem ter aprendido sequer a ler e escrever. Além disso, muitas não têm família e encontram no tráfico o que falta em sua vida. É preciso trabalho pedagógico para desbloquear os alunos traumatizados - alerta Yvone.
"Eles não são tão treinados como se pensa", diz Cano
Tenente-coronel da PM de reserva, Milton Corrêa da Costa é contra discutir razões sociais do crime. Ele vê na notícia dos treinamentos na mata um quadro temerário.
- Quem duvida que o Rio seja hoje um novo modelo de Colômbia? Ou se empreende agora uma grande ofensiva contra o poder paralelo do tráfico e das milícias ou, em pouco tempo, talvez não haja mais solução - alerta ele.
Para Ignácio Cano, entretanto, a sociedade superestima o poder do tráfico.
- A grande quantidade de traficantes mortos em confrontos com a polícia mostra que eles não são treinados como se pensa - diz ele. - O maior problema é a corrupção em todos os níveis do governo. É isso o que dá suporte ao crime organizado.