Título: Lula: a hora é de cultuar heróis e de parar de 'xingar quem os matou
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 13/08/2008, O País, p. 4

O PASSADO BATE À PORTA: Ato na UNE oficializa repasse do Estado à entidade

Em meio a polêmica, presidente diz que já passou da hora de falar em vítimas

Maiá Menezes

Direto ao vetar, anteontem, a discussão em seu governo sobre a Lei da Anistia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi mais sutil ontem, ao tratar do tema diante de uma platéia de estudantes e políticos: defendeu que os brasileiros aprendam a cultuar seus "heróis", em vez de apenas considerá-los vítimas, e de culpar os vilões. Sem citar uma única vez o regime militar, Lula assinou o projeto de lei que reconhece a responsabilidade do Estado na destruição da sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Ubes). O prédio foi incendiado no primeiro gesto da ditadura militar, em 1º de abril de 1964. E demolido, em 1980, pelo governo João Figueiredo.

- Toda vez que falamos dos estudantes, dos operários que morreram, nós falamos xingando alguém que os matou. Quando, na verdade, esse martírio nunca vai acabar se a gente não aprender a transformar nossos mortos em heróis, não em vítimas - disse Lula, que pediu aos dirigentes da UNE que estampem fotos de seus "heróis".

Ao lado dos governadores do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), e de São Paulo, José Serra (PSDB), Lula afirmou que o Brasil deveria seguir os exemplos da Nicarágua e de Cuba, que teriam parado de apenas lamentar os mortos nas ditaduras de Anastacio Somoza e Fulgencio Batista.

- Imagina se a Frente Sandinista ficasse lamentando todo mundo que o (Anastácio) Somoza matou. E se o Fidel (Castro) lamentasse todos os que o (Fulgencio) Batista matou. Não. É fazer com que essas pessoas que tombaram lutando pelo que acreditavam se transformem em heróis - afirmou Lula, para quem o Brasil só se lembra de um único herói: Tiradentes.

Serra: UNE foi alvo de ranhetas

O presidente afirmou que, ao assinar o projeto de lei, deu sua contribuição para "reparar aquilo que foi feito na sede da UNE". Não houve referência ao episódio de 1964. A mensagem do Executivo vai fixar o valor da indenização que será usado na reconstrução do prédio. O projeto é do arquiteto Oscar Niemeyer.

- A UNE, por tudo que fez neste país, por tudo o que ela significou na luta pela democracia, jamais deveria ter sido destruída, mas deveria ser sempre enaltecida - disse Lula.

Mais enfático, Serra, presidente da UNE na época do incêndio, disse que o prédio foi vítima de um "duplo ataque". A demolição, para ele, foi ainda "mais abominável":

- O primeiro, do incêndio, fez parte da briga do dia do golpe, não dá para justificar, mas para explicar. Mas o segundo, quando a UNE foi demolida, foi uma coisa puramente ranheta e raivosa. Foi só para destruir um símbolo, que hoje se revigora com a devolução da área. Foi um gesto de rancor - disse o governador que, vaiado por estudantes da União da Juventude Socialista (UJS) no começo do discurso, acabou aplaudido.

Em entrevista, Serra disse considerar inoportuna a discussão em torno da Lei da Anistia. Segundo ele, o fórum adequado para discutir as interpretações da lei é o poder Judiciário.

Presidente da UNE até 1962, Aldo Arantes afirmou que "os militares imaginavam que destruiriam a casa da democracia". E fez uma homenagem ao ex-presidente da UNE Honestino Guimarães, desaparecido em 1973, no regime militar.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, pivô da polêmica com os militares em torno da Lei da Anistia, não compareceu. Na semana passada, militares da ativa e da reserva repudiaram a afirmação de Tarso de que a tortura não pode ser considerada crime político e deveria ser excluída da Lei da Anistia.

A presidente da UNE, Lúcia Stumpf, ao lado do presidente da Ubes, Ismael Cardoso, voltou a defender a discussão em torno da Lei da Anistia e afirmou que a sede da UNE foi atacada por representar "o simbolismo de resistência contra a ditadura".

Ontem, o governo federal também lançou parceria com a UNE: o Ministério da Saúde vai repassar R$2,8 milhões para o projeto Caravana da UNE, que vai percorrer 41 universidades do país para discutir Saúde, Educação e Cultura.