Título: Um exemplo para o Brasil
Autor: Soares, Jarbas
Fonte: Correio Braziliense, 19/05/2009, Opinião, p. 21

Vai chegando ao fim o período dos dois benfazejos mandatos do procurador-geral da República, Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. Ele sairá de cabeça erguida, como, aliás, entrou. Conheci-o no início dos anos 1990, em Belo Horizonte. Antônio Fernando sempre foi desse jeito simples que o Brasil conheceu. Afável e sereno, mas firme nas suas posturas.

No exercício do cargo de procurador-geral da República, demonstrou indignação com o que considerou, como cidadão e membro do Ministério Público, contrário ao ordenamento jurídico, à ética e aos demais princípios que regem o Estado Democrático de Direito. Todos sabiam que ele agiria, no momento oportuno, em defesa do que acreditava e estava convencido, estivesse certo ou errado. E certamente, na maioria das vezes, estava certo. Quando errou ¿ e até ele tem esse direito ¿, agiu com convicção e sem interesse de prejudicar deliberadamente a quem quer que seja. Mas pouco errou.

A marcante passagem de Antônio Fernando na chefia do Ministério Público legará à atual e às futuras gerações do Ministério Público (Federal, do Trabalho, Militar, do Distrito Federal e Territórios e os dos estados) um comportamento digno, equilibrado, discreto e correto, como convém à República, diria Milton Campos. Foi também de uma firmeza, dedicação e competência há muito cobradas de todos nós, servidores públicos. Antônio Fernando será, pois, assim lembrado nos milhares de gabinetes do Ministério Público em todo o Brasil. O promotor ou procurador ao agir, hoje e no futuro, terá que se espelhar nele para conduzir o seu ministério.

Coube a Antônio Fernando também, nesta quadra da construção do Ministério Público brasileiro, além da modulação do perfil do que deve ser, nas suas virtudes, o membro do Ministério Público, outras tarefas grandiosas. Além de consolidar, como líder nacional, este já não tão novo Ministério Público pós-1998, garantiu suas prerrogativas e atribuições, zelou pelo regime democrático e pelo ordenamento jurídico, defendeu a probidade e a ética no serviço público e, especialmente, instalou e delineou as funções do Conselho Nacional do Ministério Público, importante instância de controle administrativo e financeiro da Instituição, que, no início, parecia um órgão, paradoxalmente, afrontoso à autonomia dos vários ramos do Ministério Público.

Fez tudo isso, e um tanto mais, com talento e galhardia. Embora tenha agido rapidamente em defesa de todos os ramos do Ministério Público, a ele faltou, ao meu modesto juízo, talvez uma maior aproximação com as instituições estaduais. É possível que as suas variadas funções tenham-no impedido de maior interlocução com os procuradores-gerais de Justiça dos estados. Seria muito importante para o Ministério Público brasileiro esse entrosamento. Mas nada disso ofusca a sua extraordinária atuação.

Daqui a algumas semanas Antônio Fernando deixará a função. Cumprindo o ritual de democracia, passará o cargo ao sucessor e seguirá tranquilo pela vida. Poderá olhar nos olhos dos filhos, sem receio. E esses poderão olhar nos dele, com orgulho. Antônio Fernando também terá o reconhecimento dos colegas do Ministério Público brasileiro por onde passar. Foi digno do cargo que exerceu. E mais: poderá andar pelas ruas de Brasília, do seu Paraná ou de qualquer lugar do país. Mesmo o cidadão que não o reconhecer ¿ afinal, a discrição foi uma característica do seu mandato ¿ saberá que estará diante de um homem de bem, digno do sangue de seus pais, que cumpriu uma bela missão em defesa da democracia. Antônio Fernando foi um exemplo de agente público para o Brasil. Que o presidente Lula seja também feliz, mais uma vez, ao indicar, ao seu livre arbítrio e sem pressões corporativistas, o novo procurador-geral da República.