Título: Lins é derrotado na Alerj
Autor: Rocha, Carla ; Costa, Célia
Fonte: O Globo, 13/08/2008, O Globo, p. 13

O CRIME NO PODER

Em votação apertada, 36 deputados cassam colega por quebra de decoro

Carla Rocha, Célia Costa e Selma Schmidt

Em clima de final de campeonato, com torcidas barulhentas, o deputado Álvaro Lins (PMDB) foi cassado ontem com 36 votos cravados, o mínimo exigido pelo regimento da Assembléia Legislativa (Alerj). Contrariando todas as previsões, que davam como quase certa a absolvição do parlamentar, acusado de quebra de decoro, 63 dos 70 deputados compareceram à sessão - não houve tentativa de derrubar o quórum - e a maioria aprovou a decisão do Conselho de Ética da Casa, que opinou pela cassação de Lins. Apesar de muitos acreditarem que o voto secreto beneficiaria o deputado, o resultado final surpreendeu.

A votação, porém, foi apertada. Houve três abstenções e 24 votos contra a cassação. Bastava mais um voto contra para livrar Lins da punição. Ex-chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins foi preso durante a Operação Segurança S/A, da Polícia Federal, e indiciado por formação de quadrilha, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e descaminho. Além do indiciamento, a quebra de decoro refere-se ao fato de ele ter nomeado outros investigados para trabalhar em seu gabinete.

- A bola estava dividida e ganhou quem teve mais raça. Cassar alguém no país com voto secreto não é fácil. A situação era tão grave que, mesmo com voto secreto, o deputado foi cassado. Foi feita justiça - disse o deputado Marcelo Freixo (PSOL).

"Quem fica rico no poder é ladrão"

O público que lotava as galerias gritava a cada voto apurado. Houve grande comemoração na galeria central - onde se concentravam as pessoas que torciam pela cassação - ao final, com palavras de ordem como "Fora, Lins!". Durante a sessão, foram feitos 11 discursos contra o deputado. Um dos mais exaltados foi o da deputada Cidinha Campos (PDT), que declarou seu voto a favor da cassação e citou várias acusações a Lins:

- Quem fica rico no poder é ladrão - afirmou a deputada, referindo-se ao patrimônio de Lins

O deputado defendeu-se sozinho, ocupando o plenário por 40 minutos, dez a mais do que o autorizado. Das galerias, os que defendiam o voto pelo sim apontavam para o pulso, reclamando do tempo usado pelo parlamentar. Lins chegou à Alerj meia hora antes do início da sessão, acompanhado de dois advogados e parentes. No plenário, permaneceu isolado, sendo cumprimentado por poucos colegas. Um dos poucos foi a deputada Sheila Gama (PDT), que deu um discreto tapinha no ombro de Lins.

Em seu discurso, o deputado centrou fogo na imprensa e na Polícia Federal. Fazendo referência ao livro "A revolução dos Bichos", de George Orwell, ele comparou jornalistas e agentes federais a porcos e cachorros. Na história, uma crítica a regimes totalitários, os porcos, mais inteligentes, lideram os bichos numa revolução, mas, depois de uma traição, com a ajuda dos cães, os animais passam a ser explorados.

- Os canalhas que se escondem nos porões da Polícia Federal tentaram me condenar. É desta forma que os cachorros estão trabalhando - afirmou Lins, que em seguida se comparou a Rui Barbosa, que também teria sido perseguido pela imprensa. - Quando a imprensa entra por uma porta, a justiça sai pela outra.

E fez um apelo aos deputados:

- Não vai ser atirando um deputado aos leões que nós vamos calar esses porcos e cachorros. Eles não vão parar.

Depois, comparou-se ainda ao Batman e ao Homem-Aranha, contando que o filho de 9 anos tentara consolá-lo após ler reportagens contra ele. Segundo Lins, o menino lhe disse que "os jornais não gostam de heróis".

Embora tenha saído sem falar com a imprensa, o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), confirmou, pela assessoria, ter votado pela cassação e fez uma alusão às críticas sofridas quando a Casa decidiu pela libertação de Lins. Após a prisão em flagrante do deputado, no dia 30, a Alerj, que tem prerrogativas legais para isso, determinou a soltura de Lins.

- O mesmo plenário que absolve é o mesmo que cassa. Ele é soberano - declarou Picciani.

Presidente do Conselho de Ética, o deputado Paulo Melo (PMDB), líder do governo, não comemorou, mas disse que cumpriu seu dever.

- Ninguém fica satisfeito em ter que julgar um colega como se fôssemos juízes. Mas a Alerj cumpriu seu dever institucional - afirmou.

O corregedor da Alerj, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), autor do relatório que levou ao projeto de cassação, disse que as denúncias contra Lins atingiram de forma profunda a imagem da Alerj.

- Mas esperava uma votação mais expressiva. Uma coisa fundamental para todo o país é que o Congresso Nacional mude a lei, para que o voto seja aberto.

A vaga de Lins será ocupada pelo suplente Renato de Jesus.