Título: Algema, agora, só com justificativa por escrito
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 14/08/2008, O País, p. 13
STF aprova restrição e estabelece pena para policiais que ignorarem norma: ação penal, indenização e anulação da prisão
Carolina Brígido
BRASÍLIA. O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou ontem uma súmula para restringir o uso de algemas e punir autoridades que abusem do recurso. O texto estabelece que o agente público que usar indevidamente as algemas poderá responder a ação penal e a processo administrativo, além de ter que pagar indenização a quem passar pelo constrangimento. Além disso, a prisão poderá ser anulada, assim como os resultados das investigações que levaram às prisões.
A súmula estabelece que o acusado só pode ser algemado se resistir à prisão, se ameaçar agredir alguém, demonstrar intenção de fugir ou, ainda, como forma de proteção à integridade física do próprio preso. Se o policial considerar necessário o uso de algemas, terá que justificar sua opção por escrito, enquadrando o caso em uma das hipóteses previstas pelo STF.
A súmula tem caráter vinculante - ou seja, deverá ser cumprida pela administração pública, por policiais e também servirá de parâmetro para juízes de todo o país ao decidir questões sobre o tema. Ela impede que o STF tenha de julgar o assunto novamente.
O debate sobre o uso de algemas tomou a Corte na semana passada, quando os ministros anularam a condenação de um homicida porque ele havia sido submetido ao tribunal do júri algemado. Na visão dos ministros, o uso do aparato foi ilegal. Após o julgamento, ficou decidido que o STF editaria a súmula para disciplinar o uso de algemas.
"Afronta" da PF na véspera, ao algemar 32, antecipou medida
A elaboração do texto ficou a cargo do relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello. Na terça-feira, o ministro disse que não levaria o texto para ser apreciado em plenário esta semana. Tudo mudou ontem, quando os ministros da Corte foram informados de que a Polícia Federal havia prendido e algemado 32 integrantes de um suposto esquema de corrupção em Mato Grosso. Os ministros ficaram indignados com o desrespeito à orientação do STF, e decidiram aprovar logo a súmula. Na sessão, as prisões da PF não foram mencionadas diretamente. Mas o recado foi dado:
- O que estarrece é que, diante de uma decisão tomada pela Corte Suprema do país, um delegado da Polícia Federal desrespeite a decisão e considere natural o uso de algemas. A decisão da Corte Suprema não pode ficar subordinada a afrontas visíveis ao que aqui foi decidido - disse Carlos Alberto Direito.
- É preciso ler as leis. Algumas autoridades preferem ler manuais, o que é primário - reforçou Celso de Mello. - A imposição de algemas transforma-se numa cerimônia ritual de degradação moral em que as autoridades e os agentes policiais muitas vezes agem fora das hipóteses recomendadas pela prudência e pelo bom senso.
No início da sessão, Marco Aurélio ressaltou que as algemas devem ser evitadas, a não ser quando o preso for perigoso ou ameaçar fugir:
- A regra é ter-se a condução do cidadão respeitando-se a integridade física e moral.
Foi de Cezar Peluso a idéia de incluir no texto a possibilidade de punição a agentes que algemarem presos sem necessidade. A autoridade ou o poder público poderão ser alvo de ações judiciais propostas com base na súmula do STF e, se for comprovada a ilegalidade, o prejudicado poderá receber uma indenização pela humilhação.
- Não basta o enunciado. É preciso que o tribunal deixe claras as conseqüências jurídicas da inobservância da súmula vinculante - lembrou Peluso.
Procurador teme anulação de processos em série
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, que estava presente à sessão, demonstrou preocupação com o texto aprovado. Ele teme que policiais passem a ser punidos pelo simples exercício da profissão, e que atos processuais passem a ser anulados em série pela necessidade do uso de algemas.
- Não podemos inviabilizar o interesse estatal e da sociedade de conter a criminalidade e, para isso, usar a força na medida devida - afirmou.
Peluso tentou tranqüilizar Antonio Fernando ressaltando que as algemas não estão proibidas quando forem necessárias. E que, em caso de dúvida, o policial não será injustiçado:
- Prender ou conduzir um preso é sempre um ato perigoso. A interpretação do caso concreto visa sempre a proteger a autoridade. Em caso de dúvida, a interpretação deve ser sempre a favor do agente do estado.