Título: Ficha-suja vira candidato sob protestos
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 15/08/2008, O País, p. 3

TRE cumpre decisão do TSE e devolve registro a acusado de homicídios

Maiá Menezes

Portador de uma emblemática ficha de antecedentes, que inclui dois processos por homicídio e uma condenação em primeira instância por porte de arma, Evandro José dos Passos Júnior está livre para disputar uma vaga pelo PPS na Câmara dos Vereadores de Nilópolis, na Baixada Fluminense. O direito foi devolvido ontem por unanimidade a Evandro, pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), mas não sem protestos. O julgamento do recurso apresentando pelo candidato, o primeiro depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar as candidaturas dos fichas-sujas, transformou-se em um manifesto contra a liberação desses candidatos. A relatora do caso, desembargadora federal Maria Helena Cisne, foi enfática:

"De fato, a inapetência legislativa no trato da matéria está a demonstrar, no mínimo, um descaso para com o eleitor e para com o estado democrático de direito, este que, inquestionavelmente, a todo momento prestigia a moralidade", sustentou a desembargadora, para quem "o entendimento de que a vida pregressa do candidato - por mais alentada que seja a sua folha penal - não possa ser usada para impedir sua candidatura confronta com diversas normas constitucionais, e afronta, inquestionavelmente, o bom senso e o sentimento do povo brasileiro".

A vida pregressa de Evandro, que tivera a candidatura indeferida em primeira instância pela juíza Paloma Douat Pessanha, da 201ª Zona Eleitoral, inclui, além dos processos criminais, uma condenação por porte ilegal de armas e outras sete anotações penais. De acordo com o TRE, o candidato responde a um processo em curso na 2ª Vara Criminal de Angra dos Reis, acusado de ter matado duas pessoas. Em setembro de 2004, Evandro foi preso preventivamente por porte ilegal de arma, uma espingarda e um revólver de calibre 38, apreendidos em seu comitê eleitoral - ele estava em campanha para vereador.

Condenado em primeira instância pelo porte das armas a sete anos e meio de prisão, Evandro foi absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No seu voto, a desembargadora salienta que as anotações na folha penal do candidato são "gravíssimas". "Assim, por todo o exposto, pode-se concluir que o referido candidato é acusado da prática de crimes de enorme gravidade, alguns até hediondos, não possuindo, portanto, a moralidade necessária para o exercício do cargo que pretende exercer", conclui a desembargadora, que classificou a vida pregressa de Evandro como "incompatível com uma representação política", mas, engessada pela súmula vinculante do STF, que determina como único critério para a impugnação de uma candidatura a condenação com trânsito em julgado, devolve ao candidato o direito de concorrer.

Mesmo depois de dar a chancela legal, a desembargadora ressalva que "o sentimento popular dirige-se à certeza de que só boas pessoas, assim consideradas aquelas cujos antecedentes as recomendam, devam concorrer a cargos eletivos".

Roberto Wider parabeniza desembargadora por voto

Defensor da ficha de antecedentes como critério para as impugnações, o presidente do TRE, desembargador Roberto Wider, parabenizou a desembargadora pelo voto:

- Temos de nos curvar à decisão do STF, mas não posso me omitir em minha consciência, e concordo plenamente com os fundamentos do voto da desembargadora. Como já disse o ministro Ayres Britto, se o Direito ignora a realidade, corre o risco de a realidade dar o troco e ignorar o Direito.

O vice-presidente do tribunal, desembargador Alberto Motta Moraes, apelou à consciência do eleitor:

- Nós vamos cumprir por ser uma determinação do Supremo, mas pedimos aos eleitores que façam a sua parte.

A desembargadora, em seu voto, comparou ainda a eleição com o concurso público. "Como tal, sujeita-se às regras do sistema jurídico, inclusive as que exigem a verificação da vida pregressa de todos que pretendam ingressar no serviço público. Se quem almeja um cargo público - por mais modesto que seja - deve demonstrar aptidão moral, intelectual e técnica, o que se há de exigir para os mais altos cargos da República?", conclui.