Título: Setenta anos após sua chegada ao Rio, cidade diz adeus a Caymmi
Autor: Amorim, Cláudia
Fonte: O Globo, 18/08/2008, Rio, p. 17

O compositor foi enterrado no Cemitério São João Batista sob aplausos

Cláudia Amorim

O corpo do compositor Dorival Caymmi, depois de velado na Câmara Municipal debaixo de duas bandeiras, do Brasil e da Mangueira, foi enterrado sob aplausos ontem, às 17h50m, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Além dos filhos, Dori, Danilo e Nana Caymmi, artistas e políticos se misturaram aos mais de 700 amigos e fãs que foram se despedir no velório do compositor. Com 94 anos ¿ dos quais 70 passados no Rio ¿, ele morreu às 5h58m de sábado, em decorrência de falência múltipla dos órgãos e câncer renal. O governador Sérgio Cabral chegou ao saguão da Câmara ao lado de Jaques Wagner, governador da Bahia, que também acompanhou o enterro. Ao cemitério, compareceram cerca de 200 pessoas, incluindo o compositor e ex-ministro Gilberto Gil, o músico Jorge Mautner e o ator Othon Bastos.

¿ Com todo o respeito à Academia Brasileira de Letras, para ser imortal, basta fazer música, poema, pintura ou jogar bola. Todos nós seremos imortais na memória de quem gosta da gente. É o que vai acontecer com Caymmi ¿ declarou o sambista Nelson Sargento.

O integrante da Velha Guarda da Mangueira disse ainda que Dorival e a escola formaram um casamento perfeito, referindo-se ao enredo campeão do carnaval de 1986: ¿Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm¿.

¿Dorival era um dos maiores artistas da Humanidade¿

Assim como o irmão Dori (ver box), Danilo Caymmi exaltou o despojamento do pai:

¿ O que eu mais admirava era a simplicidade dele. A mesma que eu via em pessoas geniais como Tom Jobim e Jorge Amado. Meu pai ensinou os filhos a serem artistas. É uma profissão como outra qualquer: tem que respeitar sempre o público.

Para Gilberto Gil, Dorival é a perfeita tradução da Bahia.

¿ Ele é a Bahia em toda a sua fundação, em seus elementos básicos. E com toda a maestria. Ele é, sem dúvida, um mestre. Dorival era um dos maiores artistas da Humanidade. Seu exemplo vai ficar ainda para muitas gerações ¿ disse o ex-ministro, que já foi casado com Nana Caymmi.

O governador da Bahia compartilha da opinião.

¿ Ninguém soube expressar a cultura baiana como ele. É Jorge Amado nas letras, e ele na música ¿ disse Fagner, que pretende homenagear Dorival batizando um logradouro público com o nome do compositor.

A mesma possibilidade é considerada pelo governador Sérgio Cabral, que conversou com Nana enquanto o caixão era colocado no carro de bombeiros que o levou da Câmara dos Vereadores para o Cemitério Sâo João Batista.

¿ Dorival dizia que me conheceu ainda no estojo, referindo-se a quando a minha mãe estava grávida de mim. É um grande brasileiro que o Brasil perde ¿ disse o governador, que ouviu de Nana relatos sobre a preocupação de Dorival com Stella, sua mulher, internada em coma no hospital Pró-Cardíaco.

A filha do autor de ¿Marina¿ voltou a se emocionar no cemitério, onde chorou abraçada ao músico João Bosco. No velório, um dos momentos de maior tristeza foi sublinhado pela voz de Dorival, que saía de um alto-falante e ecoava em versos como ¿O bem de terra é aquela que chora/Mas faz que não chora quando a gente sai/O bem do mar é o mar, é o mar¿, de sua canção ¿O bem do mar¿.

Diante da melodia e da voz do cantor e compositor, talvez a melhor descrição de Dorival Caymmi seja aquela que foi ensaiada por Gilberto Gil:

¿ Não há palavras para descrever o que foi Dorival.

NO SEGUNDO CADERNO: "Uma rede, um violão"