Título: Pré-sal: um bom problema
Autor: Palocci, Antonio
Fonte: O Globo, 17/08/2008, Opinião, p. 7

Por mais que o debate sobre a exploração de óleo e gás da camada pré-sal comece a assumir contornos polêmicos, o fato é que ele é muito bem-vindo. É assim que deve funcionar um país democrático. Desta vez, felizmente, estamos diante de um bom problema: como transformar uma riqueza importante em fator de melhoria da economia e da qualidade de vida de toda a sociedade, numa perspectiva de longo prazo. Insumos fósseis são finitos e têm ciclos de preços altamente voláteis, e há pelo mundo afora inúmeros exemplos de manejo inadequado dessas riquezas.

O modelo de pesquisa, exploração e produção de petróleo e gás no Brasil obedece a uma legislação relativamente recente, mas que tem produzido bons resultados para o país. E não é apenas a Petrobras que se beneficia disso. O Tesouro Nacional, estados e municípios recebem parcela importante desses recursos, sob a forma de royalties, participações especiais, impostos e contribuições. Tais recursos alimentam programas sociais e de investimentos de grande alcance.

Mas é natural que a descoberta das reservas do pré-sal leve a uma rediscussão sobre procedimentos. Isso porque no atual sistema de leilões os riscos parecem equilibrados. Já com as novas jazidas é preciso buscar um novo equilíbrio. Não se discute a propriedade das reservas, que obviamente pertencem à União.

Tem sido muito comentada a idéia lançada pelo Ministério das Minas e Energia de se criar uma nova empresa estatal para gerir essas novas reservas. As críticas são, principalmente, contra o que tem sido interpretado como um retorno ao "estatismo" e à ampliação desnecessária da máquina pública. A questão central, no entanto, é outra: qual é a necessidade de uma nova empresa pública considerando as atuais instituições do setor como a ANP, a Petrobras e as empresas privadas em atuação? Seria de fato necessário criar uma nova empresa para administrar tais reservas?

A verdade é que a ANP tem desempenhado a contento suas funções, além de fazer com sucesso os leilões das novas áreas. Com relação à gestão dos recursos, o próprio Tesouro Nacional pode muito bem fazê-lo, tendo em vista, inclusive, a instituição do Fundo Soberano, cuja proposta de legislação já foi enviada ao Congresso.

Com o pré-sal, o Fundo Soberano vai ganhar maior significado, pois boas práticas fiscais ao redor do mundo têm demonstrado que recursos extraordinários - como esses advindos das receitas do petróleo em tempos de preços altos como os atuais - devem ser depositados em fundos especiais, destinados a investimentos de longo prazo. O efeito da injeção sem planejamento de receitas como essas diretamente nos orçamentos pode, inclusive, gerar desequilíbrios graves e uma enorme volatilidade cambial.

A Petrobras, como empresa pública de capital aberto, tem demonstrado competência para atuar segundo as regras definidas pela legislação. Primeiro, como monopolista, e, depois, com o mercado aberto, a Petrobras se mostrou uma empresa vigorosa, impulsionadora de centenas de empresas privadas e de uma imensa rede de negócios, com enormes benefícios à economia nacional.

O setor tem gerado empregos em grande quantidade e boa qualidade. Foi exatamente essa capacidade acumulada que permitiu à Petrobras chegar às reservas do pré-sal. Isso não a torna proprietária de todas as reservas, mas nos cobra que o destino do pré-sal deva também estimular um novo patamar de conquistas para a empresa, gerando novos avanços para o Brasil.

Por fim, e não menos importante, é essencial que o governo, ao concluir seus estudos, reafirme a garantia dos contratos de exploração já licitados. Não há nada que indique uma postura diferente do governo, mas nunca é demais reafirmar procedimentos. Manter os atuais contratos é uma medida de grande valor para a ampliação dos investimentos nacionais e estrangeiros, tão importantes para o desenvolvimento de longo prazo.

Oportunidades como esta são raras. Com um debate democrático e uma agenda bem clara para chegar às decisões necessárias, temos a responsabilidade de assegurar que essas novas riquezas gerem a esta e às próximas gerações o melhor retorno social possível.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.