Título: Alimentação infantil sobe acima da inflação
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 17/08/2008, Economia, p. 48
PESO NO BOLSO: Custos a mais podem trazer obesidade à classe média e desnutrição aos mais pobres, diz Consea
Itens da mesa das crianças têm alta de até 66%. Entre os supermercados, diferença nos preços passa de 40%
Fabiana Ribeiro
A inflação dos alimentos exige dos pais cuidados a mais na hora das compras. Em produtos para o público infantil, é possível verificar variações de mais de 40% nos preços cobrados por diferentes supermercados. Além disso, itens fundamentais para o desenvolvimento infantil - como arroz, feijão e carnes - vêm acumulando altas nos preços bem acima da inflação. Quando as compras pesam no orçamento, mudanças no comportamento do consumidor podem, segundo especialistas, causar efeitos na valor nutricional das refeições das crianças. A hora é, portanto, de pesquisar.
Enquanto a inflação oficial, medida pelo IPCA, acumula 4,19% até julho, as famílias vêm sofrendo com altas bem maiores em itens importantes na cesta das crianças, no mesmo período: arroz (37,5%), feijão (66,24%), carnes (14,93%), leite (9,33%) e suco de frutas (4,15%).
Pesquisa feita pelo GLOBO em seis supermercados do Rio, com sete itens, mostrou que a inflação não é a mesma para todos. A caixa de Toddynho 200ml custava, na semana passada, de R$0,89 a R$1,28 - uma diferença de 43,8% do mais caro para o mais barato. O preço da lata de leite Ninho variava 42,9%, de R$6,29 a R$8,99. Já o tablete de Danoninho era encontrado por R$2,99 em algumas redes, mas também por R$4,11, 37,4% mais caro.
- Pesquisar é a regra número um para quem deseja, nestes tempos de preços mais salgados, economizar para garantir a boa alimentação dos filhos - diz Ana Cristina Teixeira, nutricionista do Centro de Nutrição Equilibra.
Preocupação com gastos chega à internet
A preocupação dos consumidores com os gastos com as crianças é registrada pelo Mercado do Preço, site que compara os preços de alimentos e bebidas de supermercados de Rio e São Paulo. De acordo com site, o preço da lata de Farinha Láctea Nestlé, por exemplo, em um mesmo mercado, chegou a subir 40% de março a julho. Entre supermercados diferentes, o Danoninho Petit Suisse (360g) variou 25% e a Geléia de Mocotó Imbasa, 30%.
- Registramos, nos últimos dois meses, um crescimento no número de acessos de cerca de 30% em todas as categorias - afirma Roberto Marques, diretor do site.
A nutricionista Ana Cristina lembra que há outros cuidados a tomar, além da comparação dos preços. Ela recomenda que os pais dêem preferência a frutas e verduras da estação (mais frescas e baratas), evitem, quando possível, os produtos industrializados tipicamente infantis (mais caros) e sempre optem pelos sucos naturais (mais em conta e saudáveis).
- As embalagens individuais, por sua vez, podem ser substituídas pelas maiores, que, em geral, valem mais à pena para o bolso - acrescenta.
E a alta dos preços já mexe com os hábitos alimentares das famílias. Na casa de Raphaela Pelosi, foi preciso reduzir a variedade do cardápio de suas filhas. Se há alguns meses ela variava os tipos de feijão diariamente, agora esse intervalo passou a ser semanal. Raphaela trocou os sucos de fruta em caixa pelos de garrafa, que "rendem mais" e mistura frutas ao suco de laranja das crianças.
- Passei a comprar biscoitos no atacado e envio a merenda em potinhos. Mexi na alimentação, mas não alterei a qualidade nutricional para minha família - disse ela, frisando que há itens, como o leite, em que não é possível fazer economia. - São litros e litros por mês.
Menos peso no orçamento, mas ainda fazendo pressão
Os cuidados dos pais podem evitar danos à alimentação dos filhos, afirma Marília Leão, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Para a classe média, esses danos podem vir em forma de obesidade, devido à escolha inadequada dos alimentos. Muitas vezes, alimentos de maior valor calórico são mais baratos. Carboidratos a mais na dieta, como a batata - cujos preços desaceleraram em julho - podem trazer quilos a mais.
- Uma escolha baseada apenas no preço acaba sendo errada. E os hábitos alimentares são estabelecidos na infância - frisa a especialista.
Para Marília, os efeitos da inflação são ainda mais devastadores, para os mais pobres:
- Essa inflação corrói rapidamente os ganhos conquistados pelas famílias nos últimos anos. Com mais renda, houve redução nos níveis de subnutrição. Com os preços mais altos, há o risco de um retorno da subnutrição. E o que preocupa é que a desnutrição não precisa de anos para se instalar: em um mês, ela pode acontecer.
Apesar de a inflação ainda corroer os rendimentos, a alimentação pode pesar menos nos próximos meses, dizem economistas. No entanto, deve continuar a fazer pressões.
- Os preços dos alimentos estão com um comportamento melhor no fim de julho e agosto e devem manter essa tendência pelo menos até o fim do mês. No entanto, é um grupo muito volátil e deve continuar pressionando até o fim do ano - acredita João Philippe de Orleans e Bragança, economista da Paraty Investimentos.