Título: Brota um sindicato por dia
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 19/08/2008, O País, p. 3

Só este ano eles vão receber R$810 milhões de imposto sindical; pasta do Trabalho se dá mais poder

Geralda Doca

A abertura e o registro de entidades sindicais no Brasil foram facilitados por uma portaria do Ministério do Trabalho, publicada sem alarde em abril deste ano. A medida dá mais poderes ao ministério comandado por Carlos Lupi (PDT), passando para a pasta a prerrogativa de, inicialmente, arbitrar e mediar diretamente disputas na área sindical - atribuição até então restrita ao Judiciário. Na fila existem hoje 801 pedidos aguardando registro do ministério, que serão analisados de acordo com a nova regra. Atualmente, são protocolados, em média, cerca de 50 pedidos de registro por mês.

A média de concessão de certidões - o que dá às novas entidades direito ao imposto sindical obrigatório - é de 22 por mês, o equivalente a uma entidade sindical a cada dia útil, segundo dados do Ministério do Trabalho. Este ano, as centrais sindicais já têm direito a receber R$56,9 milhões do imposto sindical obrigatório - que movimentou no mesmo período R$1,349 bilhão. Os sindicatos ficam com 60% do total, ou R$810 milhões.

Com a portaria 186 do ministério, o secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antônio Medeiros, ligado à Força Sindical, ganhou a função de mediador. Agora, quando um sindicato solicita o registro, que é publicado no Diário Oficial da União, e outra entidade entra com impugnação no próprio ministério contra o pedido, cabe ao secretário convocar as partes envolvidas na disputa e fixar prazo para tentar chegar a um acordo.

Caso uma das partes não compareça, a norma permite ao secretário decidir. Na impossibilidade de acordo nessa fase é lavrada uma ata, restando, então, aos envolvidos partir para a disputa judicial.

Regra pode estimular venda de impugnações

Até a publicação da portaria, os pedidos de registros que sofriam pedido de impugnação eram arquivados pelo ministério até uma decisão judicial. A nova norma permite também que um sindicato que ainda não existe possa impugnar outro que tenta obter o registro, o que poderá estimular ainda mais o mercado de venda de impugnações, segundo especialistas da área.

Eles afirmam que a portaria do ministério é arbitrária e representa forte interferência do Estado na área sindical, o que é vedado pela Constituição Federal.

- Por que razão o ministério resolveu se antepor ao Judiciário? Fico perplexo ao ver que a consultoria jurídica do ministério não advertiu sobre a impropriedade dessa matéria. Representação classista é algo inegociável. E, além do mais, qualquer acordo pode ser anulado pelo Judiciário - disse o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Almir Pazzianotto. Ele explicou que a CLT dava ao Ministério do Trabalho autoridade para reconhecer os sindicatos e conceder a eles os certificados, mas que isso mudou com a Constituição de 1988. Por essa razão, disse, o Ministério deve apenas registrar os pedidos e analisar o princípio da unicidade sindical. Mas não arbitrar pedidos de impugnação.

Imposto vai na contramão da OIT, diz professor

Segundo Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Unicamp, a portaria do ministério reforça um comportamento do governo Lula.

- A medida configura uma tendência, que tem sido freqüente no governo Lula, de controle dos sindicatos por uma via branda, mas que de certo modo reedita traços tipicamente getulistas - afirmou o professor.

Segundo ele, o governo está na contramão de outros países e das regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevêem liberdade na criação de sindicatos e, principalmente, que eles sejam capazes de se manterem sozinhos, sem a garantia do imposto sindical obrigatório. Antunes disse que a interferência do ministério no meio sindical poderá levar a decisões políticas e fragmentar ainda mais a base de representação dos trabalhadores no país.

Antunes citou, como exemplo, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (ligado à central Conlutas), que representa os funcionários da Embraer. A CUT, segundo o professor, tem tentado há alguns anos criar um sindicato aeroespacial para dividir a base e só não conseguiu porque a concorrente entrou na Justiça. Além disso, contou o professor, a CUT perdeu quando o assunto foi levado para a assembléia de trabalhadores.

O deputado Augusto Carvalho (PPS-DF) destacou a contradição entre a forma como o governo conduz o movimento sindical e os ideais defendidos pelo PT no passado, inclusive pelo seu principal fundador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- O PT, nas suas origens, queria distância entre o Estado e os sindicatos. Hoje, há uma promiscuidade - disse o deputado.

Embora a direção nacional da CUT e a Força Sindical tenham se manifestado publicamente a favor da portaria do ministério, o diretor da CUT em Goiás, José Zunga, disse que ela tem pontos positivos e negativos.

- A portaria poderá agilizar a solução de conflitos, pois o secretário assumirá a função de mediador. Mas, também, pode favorecer a multiplicação de sindicatos - disse Zunga.

A norma também trouxe à tona uma briga ferrenha, envolvendo as confederações empresariais, como a Confederação Nacional do Comércio (CNC), que, além do comércio, representa serviços e turismo. A Confederação Nacional do Turismo (Cntur) e a Confederação Nacional de Serviços (CNS), querem dividir a base da CNC. Estão de olho nos R$234,2 milhões que a entidade recebeu este ano do imposto sindical, e aguardam concessão de registro no Ministério.

O secretário Medeiros disse que a portaria apenas consolida práticas já adotadas pelo ministério e nega que tenha poder de arbitragem.

- Não vejo problema na autocomposição (mediação). O nosso papel é de fomentar a negociação - afirmou Medeiros, acrescentando que a portaria contraria interesses das confederações empresariais, que estão contra.

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