Título: Rússia ameaça a Polônia
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 16/08/2008, O Mundo, p. 31

Rússia ameaça a Polônia

Escudo antimísseis abre nova frente de atrito e EUA dizem que intimidação é inaceitável

Vivian Oswald

Os riscos de uma nova era de confrontos entre o Leste e o Ocidente, deflagrados pela crise da Geórgia, pareciam renascer ontem, com uma troca de acusações que lembra a época da Guerra Fria e com a abertura de uma nova frente de atrito, que desta vez envolve a Polônia. A Rússia reagiu furiosamente à decisão polonesa de abrigar um sistema americano de defesa antimísseis, sugerindo que isso transformaria Varsóvia em alvo legítimo de um ataque nuclear. Os Estados Unidos, por sua vez, exigiram a saída das tropas russas da Geórgia, enquanto o presidente George W. Bush acusou a Rússia de agir como ¿um valentão¿, de forma inaceitável, intimidando o país vizinho.

Enquanto isso, tanques russos chegaram a 45 quilômetros da capital, Tbilisi, além de tomarem mais duas cidades, segundo fontes georgianas, no mesmo dia em que o presidente Mikhail Saakashvili anunciou ter assinado o cessar-fogo, após uma reunião de cinco horas com a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, na capital georgiana. Ela voltou a evocar a invasão soviética da Tchecoeslováquia 40 anos antes, advertindo:

¿ As tropas russas precisam deixar a Geórgia de uma vez. Não estamos em 1968.

`A Polônia está se expondo a um ataque¿

Na quinta-feira, EUA e Polônia anunciaram a assinatura do tratado, um acordo que já vinha se arrastando por 18 meses. A Rússia respondeu dizendo que a medida poderia deteriorar as relações com os americanos e expor a Polônia. Segundo um alto general russo, tal ação ¿não poderia seguir sem punição¿.

¿ A Polônia, ao posicionar (o sistema antimísseis) está se expondo a um ataque, 100% ¿ disse o vice-comandante das Forças Armadas, general Anatoly Nogovitsyn, ao explicar que a doutrina militar russa permite o uso de armas nucleares ¿contra aliados de países com armamento nuclear se eles de alguma forma os ajudarem¿.

O governo americano afirma que a bateria de mísseis será instalada para se proteger de países considerados hostis, como o Irã, mas para o presidente russo, Dmitri Medvedev, o acordo ¿claramente demonstra que o posicionamento tem a Federação Russa como alvo¿. Os EUA deverão instalar dez interceptadores de foguetes no norte da Polônia. Em troca, ajudarão a reforçar as defesas aéreas polonesas.

Em Washington, o presidente Bush disse que a decisão de Moscou de enviar tropas ¿ em sua maior operação fora das fronteiras do país desde a queda da União Soviética, em 1991 ¿ minava a credibilidade russa no exterior.

¿ Intimidação não é um meio aceitável de conduzir a política externa no século XXI ¿ disse Bush, que hoje se reúne com seu Conselho de Segurança Nacional para discutir o assunto.

Num trecho da gravação de seu programa de rádio que irá ao ar hoje e que foi divulgado ontem, o presidente sobe o tom e afirma:

¿ O mundo assistiu alarmado à Rússia invadir um Estado vizinho e ameaçar um governo democraticamente eleito. Este ato é completamente inaceitável por nações livres.

Moscou quer ver assinatura de Saakashvili

Em Tbilisi, Saakashvili anunciou ter assinado o cessar-fogo. O acordo, com seis pontos, prevê o recuo das tropas para as posições anteriores ao conflito e negociações sobre o futuro status dos territórios separatistas de Ossétia do Sul e Abcásia. Saakashvili se referiu às tropas russas como ¿bárbaros do século XXI¿ e disse que a Geórgia ¿olhou o mal diretamente nos olhos¿. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, chegou a anunciar que a Rússia assinará o cessar-fogo, mas Moscou divulgou uma nota dizendo que deseja ver a assinatura de Saakashvili no plano de paz antes de adotar qualquer medida.

Ontem, se multiplicavam sinais de isolamento internacional da Rússia, com seu principal parceiro comercial, a Alemanha, descrevendo a campanha na Geórgia como desporporcional. No encontro com Medvedev no balneário de Sochi, no Mar Negro, a chanceler federal, Angela Merkel, pediu a retirada das tropas.

Segundo o governo da Geórgia, tanques russos entraram nas cidades de Khashari e Borjomi, expandindo a campanha de Moscou. A Human Rights Watch acusou a Rússia de usar bombas de fragmentação contra civis ¿ o que Moscou nega ¿, enquanto o Kremlin afirma que as tropas georgianas usaram minas em áreas civis. O Exército russo entrou na Geórgia no dia 8 para proteger a Ossétia do Sul das tropas georgianas.

www.oglobo.com.br/mundo