Título: Lugo promete um Paraguai sem corrupção
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 16/08/2008, O Mundo, p. 33

Ex-bispo toma posse encerrando 61 anos de hegemonia do Partido Colorado, e diz que tentará negociar acordo de Itaipu

Janaína Figueiredo

ASSUNÇÃO. Duas semanas depois de ter obtido uma dispensa do Papa Bento XVI, o ex-bispo Fernando Lugo assumiu ontem a Presidência do Paraguai, numa cerimônia histórica para o país, após 61 anos de hegemonia do Partido Colorado. Num palco montado em frente ao Congresso Nacional, e diante de uma multidão que invadiu uma das principais praças de Assunção, Lugo, que venceu a eleição de abril, prometeu acabar com a corrupção e com a desigualdade social, defendeu os direitos das comunidades indígenas e aproveitou a presença dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, da Argentina, para reiterar suas demandas em relação a Itaipu e Yaciretá.

O novo presidente paraguaio pediu "um maior impacto socioeconômico dos empreendimentos energéticos compartilhados com os povos irmãos do Brasil e da Argentina".

- Iremos a nossos pares com o desejo de que estas causas nacionais se transformem em causas binacionais - enfatizou Lugo, que ontem não teve a oportunidade de conversar sobre o assunto com Lula. A negociação, disseram fontes paraguaias, começará numa futura visita do presidente paraguaio a Brasília.

Num gesto simbólico, que buscou reforçar o perfil austero que pretende impor em sua administração, Lugo confirmou sua decisão de renunciar ao salário, estimado em US$4 mil. O presidente assegurou: "Não preciso de dinheiro, não entrei na política para enriquecer."

- Hoje (ontem) se inicia a história de um Paraguai cujas autoridades e habitantes serão implacáveis com os ladrões de seus povos - declarou o presidente, que assumiu o poder vestindo uma camisa estilo clerical branca e sandálias.

A escolha foi bastante oportuna, já que ontem a capital paraguaia viveu um dia de calor sufocante, que provocou bastante mal-estar entre os chefes de Estado. Durante a missa realizada na catedral metropolitana, as presidentes Cristina Kirchner e Michelle Bachelet, do Chile, mal conseguiam respirar e apelaram para leques e lencinhos para suportar a elevada umidade paraguaia. Numa posse sem pompa e um pouco atrapalhada (o microfone falhou no momento em que Lugo devia prestar juramento), o novo presidente disse renunciar "a viver num país no qual alguns não dormem porque têm medo e outros não dormem porque têm fome". Membro de uma família perseguida pela ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), Lugo questionou os caudilhismos e pregou um governo de consenso. O combate à corrupção será um dos eixos de sua gestão.

- Não existem instituições corruptas e sim funcionários que se corrompem - frisou, citando de forma oblíqua a indústria de produtos falsificados no país. - Gostaríamos que Rafael Barret com sua "dor paraguaia" e Augusto Roa Bastos com sua "ilha rodeada de terra" descansem com a certeza de uma herança recuperada. Queremos que saibam Barret e Roa Bastos que Juan, Maria, Felipe, Roberto um dia decidiram virar as páginas de um Paraguai irreal e farsante e despertar um Paraguai real e histórico.

Clima de alegria nas ruas da capital paraguaia

Nas ruas do centro de Assunção, o clima era de alegria. Famílias passaram horas observando os eventos organizados pelo governo e esperando a passagem do novo presidente, que, ao contrário de seus antecessores, optou por um jipe para ser levado do Palácio de López (sede do governo) até a catedral.

- Esta é uma posse histórica, só o fato de não ter ocorrido uma tragédia, um assassinato, já é inédito. Houve uma mudança de governo e de partido, sem violência - disse o vice-presidente Federico Franco.