Título: Musharraf renuncia
Autor:
Fonte: O Globo, 19/08/2008, O Mundo, p. 26

Presidente do Paquistão deixa o cargo na tentativa de evitar processo de impeachment

ISLAMABAD

Sob pressão e ameaça de impeachment, o presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, renunciou ontem após nove anos no poder e um período de intensa instabilidade política, protestos e atentados. Ex-líder militar golpista e um dos principais aliados dos Estados Unidos na guerra ao terrorismo, Musharraf anunciou a decisão num pronunciamento pela TV, dizendo colocar os interesses nacionais acima dos pessoais.

¿ Vencendo ou perdendo o impeachment, a nação perderá ¿ disse, num discurso de mais de uma hora em que acusou a oposição de ¿transformar verdades em mentiras¿. ¿ Eles não compreendem que podem ser bem-sucedidos contra mim, mas que o país sofrerá danos irreparáveis.

O agora ex-presidente é acusado de violar a Constituição. A grande questão é se a coalizão governante, que pressionava pela renúncia desde a vitória nas eleições de fevereiro, conseguirá se manter unida uma vez que o fato que a unia desaparece: a oposição ao presidente.

O cargo foi assumido interinamente pelo presidente do Senado, Muhammad Mian Soomro. A coalizão terá 30 dias para chegar a um acordo sobre o futuro presidente, cujo nome deverá ser votado no Parlamento e nas Assembléias Provinciais. A coalizão terá ainda que persuadir aliados, como os EUA, e vizinhos, como Índia e Afeganistão, que está comprometida na luta contra terroristas e fundamentalistas islâmicos. Seus dois principais líderes, Nawaz Sharif e Asif Ali Zardari, têm um relacionamento frágil. Sharif é um ex-primeiro-ministro que foi deposto por Musharraf em 1999, e Zardari é o viúvo da ex-premier Benazir Bhutto, assassinada em 27 de dezembro.

Partido de Sharif pede julgamento

Milhares de paquistaneses festejaram nas principais cidades a renúncia de Musharraf. Segundo a TV, a maioria pertencia à Liga Muçulmana do Paquistão-Nawaz (PML-N), de Sharif, e ao Partido Popular do Paquistão (PPP), de Zardari.

As reações internacionais variaram, com os EUA agradecendo pela participação na luta contra o terror e dizendo que continuarão colaborando com o país, enquanto Afeganistão via uma oportunidade de a democracia paquistanesa se fortalecer. Em Washington, havia certa preocupação de que a saída abra caminho a instabilidades num país com armas nucleares.

¿ O presidente Bush aprecia os esforços do presidente Musharraf na transição democrática do Paquistão, assim como seu compromisso no combate à al-Qaeda e extremistas ¿ disse o porta-voz Gordon Johndroe.

E o grupo Tehrik-e-Talibã Paquistanês (TTP), que reúne grupos talibãs, disse que a renúncia poderá ajudar na retomada das negociações de paz.

Musharraf, que tomou o poder num golpe militar em 1999, deverá permanecer no Paquistão, condição da qual não abriu mão, segundo um membro da Liga Muçulmana. Mas analistas políticos levantavam a hipótese de ele buscar asilo em outro país. Outras fontes diziam que tentara negociar imunidade no processo. O partido de Sharif pediu ontem novamente que ele seja julgado por traição, mas o PPP acha que o Parlamento deve decidir seu futuro. Num comunicado, a coalizão considerou a renúncia ¿o fim da ditadura e um triunfo da democracia¿. O Exército, que comandou o país por mais da metade de seus 61 anos de história, ficou fora da disputa.

Musharraf estava isolado desde fevereiro, quando seus aliados perderam as eleições legislativas. Mas os problemas começaram antes. Ano passado, ele entrara em rota de colisão com os magistrados, tentando fazer o presidente da Suprema Corte renunciar e ordenando a destituição de vários juízes. Sua popularidade caiu, e a morte de Benazir, num atentado a bomba meses após retornar ao país, parece ter agravado a crise.

www.oglobo.com.br/mundo