Título: Petrobras na berlinda
Autor: Paul, Gustavo; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 21/08/2008, Economia, p. 23

Setor privado questiona unificação e concessão de áreas não licitadas à empresa

Gustavo Paul, Ramona Ordoñez e Cristiane Jungblut

Osetor privado poderá questionar a entrada da Petrobras nas áreas da União ainda não licitadas no pré-sal caso haja a unitização (termo técnico para unificação) das regiões onde estão os campos já anunciados, na Bacia de Santos. Segundo executivos do setor, se a Petrobras assumir a produção nessas áreas, haverá favorecimento indevido aos acionistas privados da estatal, já que 60% do capital da empresa estão no mercado financeiro.

- O governo não pode conceder à Petrobras a prerrogativa de explorar as áreas que são só da União, pois estaria dando de bandeja um recurso público para sócios privados da empresa, sem licitação pública. Isso vale se a União tiver 40% da empresa ou 60% - diz um empresário do setor.

A solução desse impasse pode ocorrer até o fim do ano, quando a Agência Nacional do Petróleo (ANP) deve indicar as normas para a unitização em todas as bacias do pré-sal. A idéia é fazer uma audiência pública para discutir as regras, previstas apenas em um artigo da Lei do Petróleo.

Ontem, o GLOBO publicou que a Petrobras vai sugerir ao governo unificar seus campos no pré-sal e as áreas contíguas, caso se crie uma nova estatal para gerir as reservas. Em nota a investidores, a Petrobras disse que não tem informação suficiente que prove que o pré-sal na Bacia de Santos precisará de unificação. Acrescentou que o marco regulatório obriga a unitização quando uma jazida se estende por blocos contíguos, cujos direitos pertencem a concessionários distintos.

- Sabe-se que no caso da unitização de áreas não concedidas com campos licitados, a ANP as assume para negociar a unitização. Mas não diz como isso será feito - diz o executivo de uma multinacional.

Internacionalmente, a unitização implica divisão de investimentos proporcional às reservas dos concessionários. No caso da entrada da ANP, não se sabe como ela poderia investir, pois não tem dotação. Além disso, ressaltam especialistas, o processo é demorado. Há ainda tecnicalidades como a aplicação da regra do uso de equipamentos fabricados no Brasil na perfuração conjunta de um mesmo poço.

Para o diretor da Coppe/UFRJ, Luiz Pinguelli Rosa, a proposta da Petrobras é bem-vinda. Ele concorda com a tese de que a unificação dos poços é inevitável, mas faz uma ressalva:

- Nas reservas já anunciadas, a unitização pode ser uma obrigação, mas nas áreas contíguas é uma decisão política do governo.

Oposição critica nova empresa

Pinguelli diz que o governo deve investir no fortalecimento da Petrobras, opinião semelhante à do senador Aloizio Mercadante (PT-SP). Segundo este, a discussão da unitização não pode se misturar à da nova estatal, que ele prefere chamar de "escritório de administração de reservas":

- A proposta feita pela Petrobras faz parte da solução, que vai levar à sua capitalização, o que é importante. Não há melhor parceiro para a União operar o pré-sal do que a Petrobras.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo, Wagner Freire, a lei diz que os blocos só sejam concedidos por leilão e que a entrega à Petrobras não teria sustentação jurídica:

- Por que conceder à Petrobras, e não a outra petrolífera? Isso é ilegal.

Ele ressalta que a estatal norueguesa Petoro, vista como modelo, nem entra em todas as concessões em parceria com as petrolíferas.

Já o analista de petróleo Luiz Octavio Broad, da Ágora, destaca que as incertezas já afetam as ações da Petrobras - que, no ano, caíram 22%, contra recuo de 13% do Ibovespa:

Os principais partidos de oposição resistem à idéia de mudanças na lei do petróleo, mas admitem que a questão da nova estatal precisa ser estudada. O líder do PSDB na Câmara, deputado José Aníbal (SP), diz que o marco regulatório existente é suficiente para tratar as novas descobertas:

- O que está lá embaixo já é do Estado, não da Petrobras. Mas mais uma empresa para substituir a ANP? Não é por aí que vamos avançar.

Em nota, o PSDB afirmou haver "propósitos eleitoreiros" na discussão sobre as reservas. O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), disse que o partido ainda não fechou posição, mas que a maioria é contra a nova estatal. Para o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), a destinação de recursos a educação e saúde não depende de nova empresa nem de fundo soberano:

- Uma nova estatal do príncipe estaria à sanção do príncipe, o que vai ser um desastre.