Título: Nivelar por baixo
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Fonte: O Globo, 26/08/2008, O Globo, p. 6

Adescoberta de áreas promissoras na camada geológica do Pré-Sal continua a exercer sobre autoridades em Brasília um efeito curioso. Embora o petróleo esteja a cerca de 300 quilômetros da costa do Rio de Janeiro, na Bacia de Santos, e a sete mil metros de profundidade, numa fronteira ainda a ser explorada, há em Brasília quem já conte com os dólares deste óleo.

Pior: como se as jazidas já estivessem delimitadas e com a potencialidade definida ¿ o que exigirá muitos bilhões em investimentos e muito tempo de trabalho em condições extremas ¿, planos mirabolantes têm sido desenhados, e comunicados geralmente pelo ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, possessão concedida ao PMDB na distribuição fisiológica de cargos no primeiro escalão. Até o momento, desses planos constam o surgimento de uma estatal sem qualquer acionista privado, alterações no marco regulatório responsável pelo êxito na descoberta de uma série de campos, inclusive os no Pré-Sal ¿ para garantir o avanço do Estado sobre as novas reservas ¿ e até mesmo a desapropriação de áreas nessa região que tenham sido arrematadas em leilões pela Petrobras e associadas, como revelou O GLOBO sábado. Com isso, o Brasil, que até agora vinha conseguindo manter-se distante dos delírios estatizantes que assolam o continente ¿ e por isso se constitui um pólo mundial de atração de investimentos estrangeiros, e assim tem conseguido financiar seu déficit em conta corrente ¿, nivela-se por baixo à Venezuela ¿bolivariana¿, à Bolívia de Evo Morales e ao Equador de Rafael Correa. Nesse países, contratos juridicamente perfeitos fechados com investidores externos têm sido rasgados em nome de um nacionalismo populista que recende ao terceiro-mundismo das décadas de 60 e 70 do século passado. É o que fará o Brasil se partir para a desapropriação. Tomadas por uma febre estatizante, autoridades em Brasília se voltam, inclusive, contra a Petrobras, sob o argumento risível e anacrônico de que entre os acionistas privados da estatal há ¿americanos¿. Ora, é precioso ativo de qualquer empresa a base de acionistas, pois são eles que, por meio de chamadas de capital, viabilizam projetos de investimento. Têm toda razão acionistas que já ameaçam ir à Justiça contra qualquer usurpação que venha a ser cometida pelo governo Lula.

Dramaticamente, a Petrobras, cujos direitos já foram desrespeitados na Bolívia e na Venezuela, corre o mesmo risco no Brasil. É provável que esse laboratório de idéias extravagantes ainda não tenha se dado conta dos riscos que o próprio país corre se devaneios ¿bolivarianos¿ continuarem a prosperar em Palácio.