Título: De volta ao risco
Autor:
Fonte: O Globo, 26/08/2008, Economia, p. 21

Para setor produtivo e especialistas, retomada de áreas do pré-sal pode paralisar investimentos

Felipe Frisch, Danielle Nogueira e Erica Ribeiro

Apossibilidade de desapropriação de blocos licitados na camada pré-sal - caso estes sejam conectados com áreas ainda não leiloadas pertencentes à União -, como revelou O GLOBO no último sábado, já causa temor no mercado e receio entre especialistas e empresários do setor. Ontem, as ações da Petrobras despencaram e ajudaram a derrubar a Bolsa. A agência de risco Fitch avalia que uma eventual mudança na legislação pode limitar a melhora da classificação dos papéis da dívida do Brasil e da Petrobras, ainda que o impacto das notícias não seja suficiente para um rebaixamento imediato das notas. E a cadeia produtiva teme a paralisação de investimentos.

Para o diretor-executivo da agência de classificação de risco Fitch no Brasil, Rafael Guedes, se o governo der sinais de que as regras acordadas não são eternas, é possível vislumbrar o retorno da insegurança jurídica.

- Quando se faz uma concessão de rodovia ou hidrelétrica, os projetos são de 30 anos. Se o preço da energia elétrica dispara no mundo, só porque as hidrelétricas do Rio Madeira são grandes, vamos mudar a lei? - pergunta.

A diretora-executiva da área de análise da Standard & Poor"s (S&P), Milena Zaniboni, ainda trabalha com um cenário em que as regras não serão alteradas. No seu entedimento "as licitações que já foram ganhas serão mantidas".

O Brasil recebeu nota "BBB-" (já considerada grau de investimento) da S&P no fim de abril. A Petrobras tem nota "BBB" da agência. A Fitch deu "BBB-" ao Brasil um mês depois e "BBB+", dois degraus acima, para a Petrobras, na semana após a revisão da nota do país.

O tema da desapropriação será debatido em reunião da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) - que representa os acionistas minoritários, na quinta-feira. Seu vice-presidente, Marcelo Duarte, diz que a medida depreciaria os ativos da Petrobras, prejudicando acionistas.

- A mera discussão já está contribuindo para desvalorizar os papéis da empresa. Há o risco de nos confundirmos com países como Venezuela e Bolívia (que recentemente elevaram a participação do Estado no setor petrolífero), o que deixaria os investidores com o pé atrás.

A cadeia produtiva também receia que a medida afugente os investidores. O presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernández y Fernández, lembra que estão previstos investimentos de US$128 bilhões no setor entre 2007 e 2012, dos quais 56% no segmento de Exploração e Produção. Os números, porém, não incluem o pré-sal, para o qual são estimados até US$600 bilhões.

- A perspectiva é preocupante. Os investimentos podem ser paralisados.

O GLOBO procurou as empresas que têm blocos no pré-sal. A ExxonMobil não quis comentar a possível desapropriação. Galp, BG, Shell e Petrobras não retornaram as ligações. As críticas à proposta do governo encontram eco entre especialistas.

- Do ponto de vista conceitual a atitude não tem senso, assim como do ponto de vista prático. De onde serão retirados os recursos para a recompra dos blocos? Essa idéia não deve ir à frente. É a mais estapafúrdia desde que o debate sobre o pré-sal começou - diz o professor do Instituto de Economia da UFRJ Helder Queiroz.

Para o ex-diretor da Petrobras e professor do Programa de Pós-graduação em Energia da USP Ildo Sauer, o governo deve reconhecer a supremacia técnica da Petrobras para desenvolver campos em condições adversas, como no pré-sal, considerada uma nova fronteira exploratória. Por isso, não cabe limitar a ação da estatal.

- Não há por que tratar a Petrobras como o patinho feio agora. Seria um equívoco histórico monumental. Não é preciso demonizá-la.