Título: Brasil quer pagar os juros e ainda ter sobra
Autor: Batista, Henrique Gomes; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 26/08/2008, Economia, p. 30

Governo adotará meta de superávit nominal, o que resta após quitar encargos. Hoje, há déficit de R$1,9 bi

Henrique Gomes Batista e Patrícia Duarte

BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou ontem que o país vai trocar a meta de economia anual para pagamento de juros (o chamado superávit primário) por uma meta de superávit nominal, ou seja, de resultado positivo das contas públicas já pago o serviço da dívida. Isso deverá ser feito a partir do próximo ano, e a idéia é que em 2010 já se alcance superávit nominal - quando as receitas cobrem todas despesas e ainda geram poupança.

Para formalizar essa opção, a Fazenda estuda um pacote de mudanças na contabilidade pública, cujas diretrizes serão publicadas hoje no Diário Oficial da União. Na prática, essas novas regras - que seguem o padrão internacional de contabilidade - darão mais atenção ao valor que o governo paga de juros da dívida pública. Por isso, também deverão reaquecer a disputa entre Fazenda e Banco Central (BC) sobre quem contribui mais com a política fiscal.

Ministro vê juro menor após "surto inflacionário"

As alterações ainda vão demorar um tempo para ficar prontas. Entre elas está o fim da contabilidade como despesa dos gastos das estatais com perfil privado. Essa mudança é particularmente relevante neste momento, porque significa que os investimentos feitos pela Petrobras - a estatal mais relevante - para explorar o pré-sal não vão sacrificar as contas públicas.

- O nosso objetivo é focar mais no superávit nominal, dar mais importância a ele, e em 2010 o meu objetivo é eliminar o déficit nominal e passar para o superávit nominal - afirmou Mantega.

Até então, o governo contava apenas com metas de superávit primário. A maior parte dos países do mundo, contudo, sequer divulga esse dado. O Brasil focava o indicador devido à forte degradação das contas públicas nacionais na década passada, que tornava o superávit nominal um sonho impossível. Para se chegar até lá, o primeiro passo era obter superávits primários.

O país registrou no primeiro semestre, segundo o BC, superávit primário de R$86,116 bilhões. Quando se agregam os juros, a equação fica negativa em R$1,910 bilhão - 0,14% do Produto Interno Bruto (PIB). É o menor percentual da série histórica, mas fechará 2008 a 1,5% do PIB, contra 6,97% em 1998 e 2,26% em 2007. A idéia é zerar esse número em pouco tempo e passar a gerar poupança.

- Como vamos fazer isso (o superávit nominal)? Segurando gastos correntes no governo. E, depois que terminar este surto inflacionário, o BC vai voltar a reduzir o juro - afirmou o ministro, referindo-se ao impacto positivo que a redução da Taxa Selic tem na rolagem da dívida, pois mais de um terço de todos os títulos públicos é atrelado aos juros.

Velloso critica mistura com discussão do pré-sal

Além disso, pela proposta esboçada por Mantega, as estatais sairão do resultado primário e passarão apenas a influir indiretamente nas contas. Isso poderá se dar, por exemplo, com o registro da participação patrimonial do governo nas empresas - o que influi no cálculo da dívida - e com o pagamento de dividendos. Estes aparecerão, com a nova regra, como receita do governo sem figurar como despesa na conta das estatais, o que anulava o resultado:

- O ministro divulgou as mudanças de forma genérica, mas, mesmo acreditando que se trata de uma evolução, avalio que o governo errou ao misturar essa mudança de norma com a discussão do pré-sal - afirmou o especialista em contas públicas Raul Velloso.

Para Alcides Leite, da Trevisan Associados, a nova metodologia das contas públicas dará mais credibilidade do país:

- Isso favorece o superávit nominal, o que torna nosso risco menor, ampliando as possibilidades de captação a custos menores, o que também contribui para a diminuição da dívida.