Título: Fanáticos e irracionais
Autor: Lapa, Celso Marcelo Franklin
Fonte: O Globo, 22/08/2008, Opinião, p. 7

O Brasil possui uma das maiores reservas de urânio do mundo, dominamos o ciclo do combustível nuclear, as centrais nucleares modernas são seguras, economicamente competitivas e nunca houve no ocidente, considerando um parque de centenas de usinas operando por quase meio século, um incidente com conseqüências significativas. Então, por que há em nosso país uma oposição fanática e irracional à geração núcleo-elétrica?

Para que possamos responder a essa questão, alguns aspectos que talvez não sejam do conhecimento do grande público necessitam ser colocados.

Muito se tem falado sobre a necessidade da definição do local para o repositório final dos elementos combustíveis usados. Pouca gente sabe, no entanto, que o material armazenado nas piscinas de Angra não é lixo e poderá ser usado no futuro como combustível em novas concepções de reatores. As pesquisas recentes indicam que em breve poderemos oferecer à sociedade uma solução tecnicamente viável e ambientalmente correta para esta questão. Os chamados reatores "incineradores", além de gerarem energia, reduzirão a meia-vida dos elementos oriundos da fissão, afastando o fantasma dos repositórios milenares. Portanto, a exigência imediata da chamada solução definitiva me parece um equívoco técnico e uma precipitação do ponto de vista ambiental.

Também temos tentado levantar no Brasil uma discussão cientificamente fundamentada sobre a planilha energética e mostrar que a oposição fanática e irracional à energia nuclear não contribui para o tema e prejudica a preservação do meio ambiente. A necessidade de energia crescerá, e as tecnologias ditas alternativas terão seu papel, mas, se não investirmos em energia nuclear, seremos obrigados a queimar carvão e óleo em escala européia num futuro próximo. Por que será que ninguém cita a questão do uso da água e da terra quando se fala em hidroelétricas, por que não se fala das distâncias, das linhas de transmissão, da liberação de metano no terreno alagado? Por que não se fala das baterias, da mudança nos regimes de ventos, dos possíveis impactos no microclima (vento transporta umidade), dos elevados preços e do baixíssimo rendimento da geração eólica? E quanto à solar, ótima para esquentar uma caixa-d"água, mas com os mesmos problemas anteriores quando se trata de escala industrial e urbana. Será que ainda não aprendemos que concepções que dependem do clima terão seu papel? Mas não podemos ser reféns dos caprichos da chuva e do vento. E mesmo aqueles que sabem que temos que ter um percentual de energia firme ainda preferem queimar gás, óleo ou carvão. Por quê? Se sabem que o aquecimento global alterará o clima do nosso planeta e trará danos irremediáveis à sociedade. Portanto, quem são os verdadeiros defensores das questões ambientais, os que defendem o uso da energia nuclear de forma lúcida e tecnicamente incontestável ou os opositores irracionais que se dizem ambientalistas e vão nos empurrar de volta para a era do carvão?

CELSO MARCELO FRANKLIN LAPA é professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Engenharia Nuclear.