Título: Mercado russo perde US$ 10 bi com conflito
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 24/08/2008, Economia, p. 39

Guerra com a Geórgia e ações do BC para conter queda do rublo abrem rombo de US$16 bi nas reservas

Vivian Oswald

MOSCOU. Os conflitos iniciados há duas semanas entre Rússia e Geórgia serviram de combustível para o pessimismo dos investidores estrangeiros no mercado russo. Temerosos com respeito à duração da guerra e seus efeitos sobre a economia, eles tiraram entre US$8 bilhões e US$10 bilhões do país apenas entre os dias 10 e 15 de agosto.

Essa semana, a Bolsa russa caiu para os níveis de novembro de 2006. Nem no auge da crise imobiliária americana, o mercado de ações russo foi tão afetado. O rublo, que vinha mantendo tendência de alta em relação à moeda americana há mais de um ano, caiu pela primeira vez. Nos últimos dez dias, um dólar voltou a oscilar na casa dos 24 rublos, o que não acontecia desde o dia 6 de março.

A saída rápida dos recursos estrangeiros e a atuação do Banco Central da Rússia para conter a queda do rublo deixaram um rombo de US$16,4 bilhões nas reservas internacionais do país desde o primeiro dia dos conflitos. Trata-se de uma queda importante, a maior desde agosto de 2006, quando o país pagou uma parcela de US$22,3 bilhões de sua dívida com o Clube de Paris. À época, o impacto sobre as reservas fora de US$16,5 bilhões.

Bolsa amarga queda de 30% no ano

Mesmo assim, ainda há gordura a queimar. O nível das reservas continua sendo o terceiro maior do mundo. Com US$597,5 bilhões, o país perde apenas para a China e o Japão.

Mas o problema do mercado russo neste momento, segundo os analistas financeiros, não é apenas o conflito no Cáucaso e seus impactos imediatos. O cenário já era de notícias ruins antes mesmo de a Rússia responder aos ataques da Geórgia no enclave separatista da Ossétia do Sul.

¿ O impacto da guerra é pequeno, de certa forma. Ele deteriora um cenário que já era ruim e, por isso, complica ainda mais a situação. Estamos diante de uma combinação ruim de fatores ¿ afirma a especialista do Renaissance Capital, Katya Malafeeva.

As bolsas de valores da Rússia vinham obtendo o melhor desempenho entre os mercados emergentes recentemente. No entanto, já amargam uma queda de 30% desde o início do ano.

O mercado americano continua assombrando os investidores. Quem tem recursos em outras praças acaba tendo que usar o dinheiro para compensar as perdas nos Estados Unidos. Além disso, a recente queda-de-braço entre o governo russo e grandes empresas que operam no país também causaram medo.

A Mechel, gigante russa de carvão e aço, estava sendo investigada por cartel numa ação do governo para tentar conter os preços da economia. Durante as investigações, o primeiro-ministro Vladimir Putin fez duras críticas à companhia em público e ainda a acusou de fazer transferência de preços e evasão fiscal. O caso teria lembrado o de outras empresas nacionais que acabaram sendo fechadas ou vendidas, como a petrolífera Yukos, que faliu. Com as declarações do primeiro ministro, as ações da Mechel caíram mais de 25,57% só na bolsa de Nova York. Em Moscou, a queda chegou a 38,5%. Em poucos dias, a companhia passou a valer cerca de US$8 bilhões a menos.

Queda do petróleo afetará orçamento

A própria guerra declarada pelo governo à companhia anglo-russa TNK-BP, com uma série de investigações em curso, além do cancelamento dos vistos de vários funcionários e acusações de espionagem, também tem sua parte nas tensões do mercado.

Por enquanto, o nível das reservas internacionais ainda é alto. E o governo também conta com o fundo de estabilização, criado em 2004 com receitas de petróleo. Trata-se de uma espécie de colchão que pode ser usado para novos investimentos na economia de mais de US$150 bilhões. Mas os preços do petróleo também estão caindo.

A turbulência do curto prazo pode acabar antecipando problemas. Esta semana, o ministro das Finanças, Alexei Kudrin, apresentou o orçamento para os próximos três anos. O documento considera uma queda dos preços do barril de petróleo para US$95, o que é significativo em comparação à média de US$112 da semana passada. Projeta-se ainda uma queda para US$90 por barril em 2010 e US$88, em 2011. Segundo o ministro é bem possível que, a partir de 2015, o país tenha que usar o fundo de estabilização. Nada pior para um país cujas receitas dependem em boa parte do produto. Pelo menos metade dos recursos do orçamento russo vem dos ganhos com petróleo.