Título: Decifrar o déficit
Autor:
Fonte: O Globo, 24/08/2008, Opinião, p. 6

O balanço de pagamentos do Brasil fechou o mês de julho mais uma vez superavitário. O saldo no mês chegou a US$2,1 bilhões e, no ano, a US$21 bilhões. Esse resultado decorre fundamentalmente do fluxo positivo de investimentos estrangeiros, que somente em agosto deve ser da ordem de US$4 bilhões. A entrada de capitais que compõem a conta financeira do balanço de pagamentos vem financiando o déficit em mercadorias e serviços, as chamadas transações correntes. Tal déficit é sempre visto com certa preocupação devido a experiências do passado. Mas deve-se observar essa questão em termos relativos. O déficit atual é bem inferior ao que detonou uma crise cambial no país no fim da década de 90. Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), em 12 meses está abaixo de 1,5%, enquanto naquele período atingira 6%.

Uma outra diferença importante é que o déficit dos anos 90 levava o país a contrair dívidas, atraindo capitais de curto prazo, muito ariscos, que acabavam pressionando fortemente o câmbio, forçando o Banco Central a intervir. Além de ser financiado com capital de aluguel, o déficit decorria das necessidades de consumo: depois do Plano Real, o Brasil passou a registrar fortes desequilíbrios na balança comercial, com grande volume de importações de bens finais. Hoje o Brasil já não tem mais déficit comercial. Ao contrário, continua ostentando um elevado saldo, que cobre grande parte dos números negativos da conta de serviços (viagens internacionais, pagamento de juros, remessa de lucros etc). Esse saldo de fato diminuiu, o que é uma das razões de o Brasil ter voltado a registrar déficit nas transações correntes. No entanto, as exportações não pararam de crescer, impulsionadas por preços favoráveis no mercado internacional. Do lado das importações, houve um salto ainda mais expressivo, porém não mais decorrente de compras de bens de consumo, mas sim de bens de capital (máquinas, equipamentos) que contribuirão para aumento da capacidade de produção interna. E já há sinais visíveis mostrando que as importações tendem a se estabilizar.

É possível que as contas externas venham a se reequilibrar em um horizonte não distante. Certamente esse tempo seria abreviado se o setor público contivesse o seu consumo (gastos), pois abriria espaço para investimentos. Alem disso, o déficit externo em conta corrente é conseqüência de uma insuficiência de poupança interna. Ao gastar acima do razoável, o setor público avança sobre a poupança interna, o que leva a economia a depender de poupança externa. Esses conceitos técnicos precisam ser mais bem entendidos em Brasília.