Título: Saúde: agora é guerra
Autor: Mascarenhas, Gabriel; Candida, Simone
Fonte: O Globo, 27/08/2008, O País, p. 3

Gestão das UPAs provoca troca de acusações entre Sérgio Cabral e Cesar Maia

Gabriel Mascarenhas e Simone Candida

As divergências sobre as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) - que nos últimos dias ocuparam o centro do debate eleitoral no Rio - ganharam a dimensão de uma guerra política, com troca de acusações entre o governo estadual e a prefeitura. O governador Sérgio Cabral (PMDB), responsável pela gestão dessas unidades, acusou setores da prefeitura de, num "ato sórdido", orientar os profissionais dos postos de saúde e hospitais municipais a encaminhar pacientes para as UPAs, com objetivo de superlotá-las e inviabilizar o atendimento. Já o prefeito Cesar Maia (DEM) e a candidata a prefeita do seu partido, Solange Amaral, acusaram o governo estadual de construir essas unidades sem licitação e de contratar profissionais não concursados.

Cesar chegou a chamar de mentiroso o secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, que mostrou à imprensa dez papéis, com timbre da Secretaria Municipal de Saúde e do Hospital Miguel Couto, encaminhando pacientes para a UPA de Botafogo, que acabara de ser inaugurada, ontem, às 10h. Cabral endureceu o discurso contra a suposta tentativa de superlotar as UPAs.

- Hoje, há um movimento, que eu acho absolutamente sórdido, orientado por algumas pessoas da prefeitura, em que o sujeito vai ao posto de saúde e eles dizem: "Não, vai lá na UPA". Não tem problema. Nosso objetivo é expandir esse trabalho, que não começou agora. Se o futuro prefeito Eduardo Paes acha que ele (as UPAs) é uma boa solução, que bom - disse Cabral, referindo-se ao seu candidato à prefeitura, Eduardo Paes (PMDB), que gravou parte do programa eleitoral dentro de uma UPA em Campo Grande. Por causa desse gesto, Paes foi acusado por adversários de usar a máquina do estado em sua campanha.

Cesar lança suspeita de falsificação de documento

Em resposta a Cabral, Cesar afirmou que a empresa responsável pela limpeza das UPAs presta o mesmo serviço ao governo estadual, o que classificou como uma "baita ilegalidade".

- As UPAs custam R$1,2 milhão, mais R$6 milhões de manutenção por ano, e não funcionam, de fato, de madrugada. É só ir lá. Isso é duas vezes e meia o custo médio de um posto de saúde. Não tem registro no Ministério da Saúde. É triplamente terceirizada. Cabral está voltando a parecer o flexível e plástico presidente da Alerj. Só que viajando mais - ironizou Cesar, por e-mail.

Sobre os documentos exibidos pelo secretário de Saúde, Cesar levantou a suspeita de que sejam falsos:

- Quanto aos tais papéis, é uma tentativa de explicar o fracasso precoce das UPAs. Qualquer um pode pegar um papel e armar esse ardil. Especialmente o explícito Sérgio Côrtes. O grupo que opera a UPA é o mesmo que operava no governo Garotinho. Os 600 mil atendidos são mentira do secretário. Talvez atenda a um quinto desse número. Mente muito este secretário.

Pela manhã, durante corpo-a-corpo na Praça Cardeal Arcoverde, em Copacabana, Solange também não poupou críticas ao projeto, que vem sendo considerado pela administração estadual uma das principais soluções para as deficiências do sistema de saúde do Rio.

- Escândalo com o dinheiro da saúde estadual é que não falta. Não sei se as UPAs são um novo foco de escândalos. Digo que custam o dobro de qualquer posto de saúde, não passaram por licitação e não têm servidores. Isso já deu... (fazendo sinal de xadrez com os dedos, em referência à cadeia). Daqui a pouco a máscara vai cair: veremos que não é uma ação de saúde, mas sim uma ação eleitoral - disse Solange, sem citar os escândalos a que se referia.

O último estourou mês passado. Um esquema de desvio de R$70 milhões dos cofres públicos, na gestão da ex-governadora Rosinha Garotinho (PMDB), levou 12 pessoas à cadeia, incluindo dois ex-secretários de estado: Gilson Cantarino (Saúde) e Marco Antônio Lucidi (Trabalho). Segundo as investigações, ONGs recebiam cheques com verba pública que deveria ir para projetos de saúde, mas ficavam com uma parte. O restante era desviado pela quadrilha. Cantarino foi apontado como o responsável direto pela realização dos contratos com a Fundação Pro-Cefet, que repassava os recursos para as ONGs.

A Secretaria estadual de Saúde negou que não haja licitações para instalação das UPAs. Em nota, garantiu que "a compra de contêineres para montagem das unidades foi feita por meio de pregão de registro de preço realizado no início do ano. No mesmo período a secretaria realizou o pregão para contratação da empresa que é a responsável pelas obras de entorno das unidades. Já os equipamentos médicos instalados nas UPAs foram comprados por meio de pregão internacional, realizado no final do ano passado. Por outro lado, o projeto arquitetônico e de paisagismo das unidades é de responsabilidade do Corpo de Bombeiros".

A pasta negou a acusação de que os funcionários das UPAs não sejam servidores. Afirmou que a maioria é formada por bombeiros, servidores aprovados em concurso. Segundo a secretaria, ainda trabalham nas UPAs médicos contratados por cooperativas ligadas à Federação Brasileira de Cooperativas (Febracoop). Informou que, a partir de outubro, os cooperados deverão começar a ser substituídos por aprovados no concurso realizado pelo Corpo de Bombeiros.