Título: Uma agência nada camarada
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 24/05/2009, Política, p. 2

Empresários reclamam de ¿aparelhamento¿ na ANP, órgão que regula o setor de petróleo e será alvo da CPI da Petrobras. Dizem que a burocracia imposta pelo PCdoB garantiu vantagens a lobistas e parlamentares. Presidente da legenda alega que comunistas só indicaram haroldo lima para a direção da agência Responsável por regular o bilionário mercado de combustíveis, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) passou a ser dirigida, no início do governo Lula, por filiados e apadrinhados políticos do PCdoB. Em 2005, os comunistas chegaram, com o engenheiro e ex-deputado Haroldo Lima, ao cargo máximo do órgão. Na esteira dessa ascensão, surgiram críticas de ¿aparelhamento¿ da ANP, que será um dos alvos da recém-criada CPI da Petrobras. Empresários e advogados com larga atuação no setor se queixaram ao Correio de dificuldades para ter simples demandas respondidas pela agência. Em alguns casos, os problemas foram parar na polícia.

A advogada Vanuza Sampaio, que, nas palavras dela mesma, atua em favor de 40% dos empresários do mercado, é um dos poucos que chegaram a romper o silêncio de quem atua no setor. Vanuza levou à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro documentos que acusam o superintendente de Abastecimento, Edson Menezes da Silva, de tentativa de extorsão. Por intermédio de dois funcionários da agência, Edson teria cobrado R$ 50 mil para liberar um registro de uma empresa, segundo a advogada.

Vanuza disse que sua denúncia, embora tenha gerado um inquérito na PF, ainda não surtiu desdobramento judicial ou político ¿ os supostos extorquidores continuam trabalhando, e sua acusação vazou dentro da agência. ¿Virei persona non grata¿, afirmou, contando que, depois das denúncias, tem sempre de recorrer à Justiça para ver suas demandas respondidas. Em resposta por e-mail, a assessoria de imprensa da agência afirma que Edson Menezes declarou ¿não ter qualquer vinculação com as denúncias em apuração¿. ¿A apuração está sob responsabilidade do MPF, sem que a ANP tenha conhecimento de sua conclusão.¿

Sem resposta Com 42 anos de atuação no setor, o advogado Wilson Pereira não conseguia fazer, no ano passado, um registro de uma distribuidora de combustíveis paulista, cuja análise também era de responsabilidade da Superintendência de Abastecimento. Depois de meses sem sucesso para uma demanda que afirma não demorar mais de uma semana num ¿prazo razoável¿, Wilson enviou uma carta ao diretor da ANP Allan Kardec em dezembro, na qual reclamou do descaso com sua iniciativa. ¿Até hoje não recebi resposta¿, contou Wilson, ressaltando que tampouco resolveu administrativamente seu problema, mesmo, segundo diz, tendo toda a documentação em dia.

Segundo empresários, não há regra clara para ter acesso aos funcionários dos diversos escalões da burocracia nem respeito à ¿fila de protocolo¿. Assim, o acesso é demorado e avaliado caso a caso. Nesse ambiente, dizem, é que entram os facilitadores: parlamentares e lobistas com acesso privilegiado. ¿O telefonema de um deputado abrevia um encontro em um mês¿, disse um empresário do ramo de postos de gasolina. Até mesmo ex-funcionários da ANP, de acordo com entendidos do setor, montaram empresas para captar esses clientes. Por meio da assessoria, a agência disse que ¿não há qualquer discriminação ou favorecimento pela ANP a empresas que atuam no setor¿. A agência limitou-se a dizer que todas as entradas são registradas.

Aparelhamento Empresários também reclamam do ¿aparelhamento¿ político da agência. ¿Num curto ou longo prazo, o resultado desse loteamento político é péssimo¿, critica a advogada Sônia Maria Agel, procuradora-geral da ANP entre 1998 e 2002. ¿A agência está mais para um órgão público do que de regulação de mercado¿, acrescenta. O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, que rebate as acusações de aparelhamento, disse que a participação de partidos em órgãos públicos é uma realidade mundial. Rabelo afirmou que, diante do conhecimento técnico dos filiados do PCdoB, não vê na cúpula da ANP tal prática. ¿São pessoas muito preparadas¿, declarou. ] Mesmo assim, os comunistas têm se mostrado apreensivos sobre os rumos da investigação da CPI. Antes de ela ser criada, há duas semanas, Haroldo Lima enviou carta aos senadores em que rebate denúncias veiculadas na imprensa contra a ANP. Encontrou-se pessoalmente com os senadores tucanos Sérgio Guerra (SE), presidente do partido, Arthur Virgílio (AM), líder da bancada, e Álvaro Dias (PR), autor do requerimento de criação da CPI. Para estar mais perto das investigações, o partido busca emplacar o único senador da legenda na comissão, Inácio Arruda (CE). Pela divisão entre as bancadas na CPI, o PCdoB só terá uma cadeira de titular se o PT ceder sua vaga.

-------------------------------------------------------------------------------- Denúncias rechaçadas

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o presidente do PCdoB, Renato Rabelo, afirmaram não temer eventuais investigações da CPI da Petrobras. ¿A ANP reitera que atua com base em critérios técnicos que seguem a legislação brasileira¿, declarou o órgão, em resposta enviada pela assessoria de imprensa via e-mail. ¿Temor não existe, mas as CPIs são um palco de disputa política, e nós temos que nos defender¿, acrescentou Rabelo, sobre os movimentos de Haroldo Lima para explicar as denúncias e a tentativa do senador comunista Inácio Arruda de participar da comissão.

A agência negou que a participação de integrantes do PCdoB possa atrapalhar o andamento dos processos administrativos. ¿Os servidores que ocupam cargos comissionados são nomeados pela diretoria colegiada da ANP¿, afirmou o órgão, ressaltando que os funcionários têm de ¿comprovar habilitação para a função¿ e não podem, de acordo com a Constituição, ser discriminados por causa da ¿filiação partidária¿. ¿Não fazemos nenhuma propaganda da honestidade do partido¿, afirmou o presidente do PCdoB. ¿Mas, se um filiado do partido cometer uma irregularidade, a responsabilidade é dele¿, complementou.

Rabelo disse que a legenda não tem ingerência política nem controle sobre os filiados que trabalham na ANP. A única indicação da cúpula do partido para a agência, segundo ele, foi o próprio Haroldo Lima, a pedido da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, hoje responsável pela Casa Civil. ¿Não houve nenhum acerto (sobre a ANP ser da cota do PCdoB). Aliás, o (presidente) Lula nunca me falou isso¿, declarou Haroldo. (RB)