Título: STF debate aborto de anencéfalos
Autor: Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 27/08/2008, O País, p. 15

Marco Aurélio diz que caso da menina Marcela deve influenciar decisão

Catarina Alencastro

BRASÍLIA. O relator do processo sobre a permissão de aborto em casos de fetos anencéfalos, ministro Marco Aurélio Mello, admitiu ontem que o caso da menina Marcela de Jesus, que sobreviveu por um ano e oito meses após o parto, deve influenciar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde pede que o tribunal autorize a interrupção desse tipo de gravidez, argumentando que 100% dos casos de anencefalia são letais. A confederação rejeita, inclusive, a terminologia aborto, adotando a expressão "antecipação terapêutica do parto".

Preocupados com o impacto do caso Marcela na votação, defensores do aborto de anencéfalos anunciaram ontem, durante audiência pública no STF, que a menina não pode ser considerada vítima de anencefalia. Segundo o advogado Luiz Roberto Barroso, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) deverá sustentar, na segunda das três audiências programadas, que a menina não era portadora da anomalia, mas de uma má-formação cerebral de outro gênero:

- A literatura médica é pacífica no sentido de que não existe a vida por tantos meses de um feto anencéfalo. Marcela não é um caso, porque partes do cérebro se formaram. A mãe era muito religiosa, e, na vida, muitas vezes a gente vê o que a gente quer, não o que é realmente.

Ontem, representantes de igrejas se dividiram sobre o tema. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defende que, independentemente da longevidade e da presença de uma má-formação, a vida deve ser preservada sempre. Já os evangélicos, representados pela Igreja Universal do Reino de Deus, são favoráveis à descriminalização do aborto de anencéfalos, sob o argumento de que, nesses casos, a saúde da mulher deve prevalecer, lembrando que a gravidez de fetos anencéfalos é, em sua maioria, uma gestação de risco para a mãe

- A descriminalização do aborto de anencéfalos não deve esbarrar em preceitos religiosos - disse o bispo Carlos Macedo de Oliveira.

- É fundamental que não declaremos morto alguém que ainda está vivo - afirmou o padre Luiz Antônio Bento, da CNBB.

Para o médico Rodolfo Acatauassú Nunes, representante do Pró-Vida e Pró-Família, faltam estudos com tecnologia de ponta capazes de aferir o nível de consciência do anencéfalo. Sem citar o caso Marcela, ele falou de um bebê anencéfalo que sobreviveu por 18 meses. A menina, contou, chorava quando a mãe se ausentava. Nunes apresentou dados revelando que 47% dos bebês com anencefalia morrem logo no primeiro dia de vida.

A mãe de Marcela, Cacilda Ferreira, assistiu ao debate e contou que em nenhum momento pensou em interromper a gravidez. Ela disse que a menina foi um presente de Deus, e que não sofreu nem um minuto:

- Ela era maravilhosa. Eu acariciava e ela reconhecia. Ela sentia minha presença. Não me passou pela cabeça interromper a gravidez, mais ainda quando soube da doença.

Marco Aurélio disse acreditar que a decisão será tomada até o final do ano.