Título: Órgão da Fazenda defende ponto extra pago
Autor: Tavares, Mônica; Sampaio, Nadja
Fonte: O Globo, 27/08/2008, Economia, p. 34
Mais pobres subsidiariam outros assinantes de TV, diz secretaria. Costa e entidades pró-consumidor criticam
Mônica Tavares, Nadja Sampaio e Luciana Casemiro
BRASÍLIA e RIO. Surpreendendo o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que abraçaram a medida desde o início das discussões, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda enviou ao órgão regulador um parecer no qual recomenda que seja mantida a permissão de cobrança do ponto extra da TV por assinatura. A Seae concluiu em seus estudos que a gratuidade - pleito histórico das entidades de defesa do consumidor - "não traz qualquer benefício econômico ou concorrencial e é potencialmente danosa do ponto de vista social". Cabe à Anatel aceitar ou não a sugestão.
Um dos artigos do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura que estão sendo revistos impede que as operadoras cobrem uma mensalidade e estabelece um preço único por pacote, independentemente do número de televisores com canais pagos em um domicílio. A Seae argumenta que "na situação atual, o conjunto de assinantes de um determinado pacote produz para a empresa duas receitas: a cobrança dos pontos principais e a cobrança dos pontos extras".
Como a competição é limitada, alega a Seae, com a modificação da legislação "os assinantes de menor renda, aqueles que por terem apenas uma televisão solicitam somente o ponto principal, subsidiarão os assinantes de maior renda".
Segundo a Seae, a medida vai também inibir a política do governo de massificação da banda larga. Na visão da Seae, se o ponto principal ficar mais caro, isso desestimulará a compra de TV paga e, conseqüentemente, da banda larga por meio da televisão por assinatura. A secretaria diz que "dado o atual cenário de convergência digital, a assinatura de um pacote de TV paga aumenta a possibilidade de que o assinante também adquira o serviço de banda larga".
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, criticou a Seae e defendeu o fim da cobrança do ponto extra:
- Confesso que foi para mim uma surpresa a Seae ter uma posição divergente daquela que a Anatel e que o Ministério das Comunicações têm. Vamos estudar as razões pelas quais eles estão com essa posição divergente. Acho que eles têm que ter razões muito sólidas.
A sugestão da Seae integra as 641 colaborações recebidas pela Anatel na consulta pública. Ela foi motivada pelos questionamentos de órgãos de defesa do consumidor e das empresas acerca da clareza e da abrangência da nova regulamentação. As regras deveriam ter entrado em vigor em 2 de junho, mas as dúvidas levaram à suspensão de três artigos, que foram submetidos a nova consulta pública.
Foi grande a participação direta dos consumidores nessa rodada. Aída Carla de Araújo considerou em sua contribuição que o usuário, ao pagar a mensalidade de TV por assinatura, acredita que ela "já incluiria qualquer outro ponto na mesma residência". Para Aída, a gratuidade "desestimularia o uso ilegal desses pontos (gatos), que hoje acontece em vários locais". Para o assinante Décio José Frigério, o consumidor não pode ficar nas mãos das operadoras. Ele ressaltou que os preços "já são muito altos" e que "elas teriam poder de colocar qualquer preço por esse serviço".
A representante da Net Serviços, Fabíola Assad Calux, garante, porém, que o ponto extra exige investimentos da empresa em equipamentos: "Todos esses custos são alocados ao preço do ponto extra, como meio de barateamento do preço do serviço de TV por assinatura". Ela ressalta que a impossibilidade da cobrança pela prestação do serviço do ponto extra "acarretará o aumento do valor do preço do serviço". Segundo a Net, "a proibição da cobrança do ponto extra fará com que os assinantes sem interesse nesse serviço (que correspondem a 70% da base de clientes), em geral aqueles com menor poder aquisitivo, tenham de arcar com os custos" que deveriam ser dos assinantes de maior renda.
Selma do Amaral, assistente de direção do Procon-SP, lamentou o fato de se reabrir a discussão da regulamentação das TVs a cabo, após uma resolução já ter sido publicada:
- Depois de tanto tempo de estudo, voltar a essa discussão é realmente lamentável. Queremos deixar claro que o serviço deveria ser gratuito, pois, fora instalação e manutenção eventual, as companhias não conseguiram provar de que forma o ponto extra as onera, justificando a cobrança de uma mensalidade.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor - Pro Teste, critica o posicionamento da Seae, que, entre as justificativas, alega dano social:
- Em primeiro lugar, baixa renda não tem TV a cabo. Até porque no Brasil é muito mais cara do que em outros países e ainda presta um serviço ruim. Em julho do ano passado, mandamos aos Ministérios Públicos estaduais e Federal uma demanda coletiva sobre a qualidade do serviço prestado, como troca de canais, queda de sinal. Com essa indecisão, as operadoras estão criando novas cobranças, como forma de garantir algum ganho.
Para a advogada Estela Guerrini, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Seae precisa resolver a questão mais importante, que é a falta de concorrência:
- Uma empresa tem 80% do mercado. E na cadeia de produção deste setor existem a produtora de programas, a programadora dos canais, a empacotadora, que junta vários canais, e a distribuidora do serviço até as residências. No Brasil, a mesma empresa faz as quatro fases, não há concorrência.
De acordo com a advogada, o Idec espera que a Anatel fiscalize as empresas e não deixe que elas reajustem outros serviços ou criem novas cobranças.