Título: E o Pantanal vai ter canavial
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 23/08/2008, O País, p. 3

Com apoio de Minc, governo vai liberar plantio de cana-de-açúcar e usinas na região

Bernardo Mello Franco

Com o aval do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o governo decidiu liberar parcialmente o plantio de cana-de-açúcar e a instalação de usinas para a fabricação de álcool no Pantanal. O sinal verde será dado nos próximos dias, com a publicação de um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proibição do avanço da cana no Pantanal fora uma das principais bandeiras da gestão da senadora Marina Silva (PT-AC) no Ministério do Meio Ambiente. A notícia da liberação irritou dirigentes de ONGs ambientalistas, que elevaram o tom das críticas a Minc e chegaram a pedir sua saída do governo. O ministro rebateu os ataques e classificou os protestos de "gritaria, infantilismo e ecodemagogia".

A retirada das barreiras que impediam o plantio de cana no Pantanal foi decidida em acordo entre Minc e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, protagonista de disputas acirradas com a ex-ministra Marina Silva. A atuação dos usineiros será liberada na região do Planalto Pantaneiro, em áreas onde o governo considerar que já existiam pastagens ou outro tipo de lavoura. Na Amazônia, segundo Minc, serão mantidas apenas as cinco usinas de álcool já existentes.

"Um balcão para atender ruralistas"

O diretor de políticas públicas do Greenpeace, Sérgio Leitão, afirmou que o acordo é mais um capítulo de uma série de concessões do ministro ao agronegócio. Entre outros recuos de Minc, ele apontou a revisão do decreto que endureceu a Lei de Crimes Ambientais, anunciada na quarta-feira, e a permissão para que os agricultores que desmataram além da reserva legal de 80% das terras na Amazônia financiem a recuperação de florestas fora dos limites de sua propriedade.

- O Ministério do Meio Ambiente virou um balcão de atendimento da bancada ruralista. Dá a impressão de que agora temos dois ministros da Agricultura. Para isso, era melhor que o governo pagasse um só salário - afirmou Sérgio Leitão.

Para o diretor do Greenpeace, Minc demonstra ter se dobrado às mesmas pressões que levaram Marina a entregar o cargo, há pouco mais de três meses:

- O ministro aderiu à agenda do desenvolvimento a qualquer preço. É triste e não condiz com seu currículo.

Em tom de ironia, o diretor da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, disse que a próxima proposta de Minc será permitir que os agricultores que devastam a Amazônia recuperem florestas "na Austrália ou em outro planeta". Ele também criticou o ministro por ignorar parecer técnico do Ibama ao conceder a licença de construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia.

- Parece que o ministro está perdido. Esse quadro revela um ministro que já não responde mais às demandas do meio ambiente. Ele fecha acordos com os ruralistas e depois chama os ambientalistas para se explicar.

Ao se defender, Minc acusou os ecologistas de radicalizar o debate, negou que haja falta de diálogo entre ele e as ONGs e afirmou que é preciso negociar com o setor produtivo:

- Não vejo razão para a gritaria. Essa turma é contra a usina de Santo Antônio, é contra qualquer diálogo com o setor produtivo. Eu fiz a primeira manifestação no Brasil contra os submarinos nucleares. A lógica era não discutir com o setor. Ir para o debate não quer dizer que você está rompendo com seus princípios.

O ministro também saiu em defesa da permissão para que os desmatadores compensem o dano ambiental fora de sua propriedade. Para os ambientalistas, a idéia atende à velha pressão dos ruralistas para derrubar a regra que determina a preservação de 80% das terras privadas na Amazônia e de 50% no Cerrado.

- Obrigar o sujeito a recuperar a floresta dentro da sua reserva era um primarismo. Que país vai mandar o sujeito arrancar 20% da sua propriedade? Ninguém é maluco de fazer isso. Do ponto de vista ambiental, é muito mais negócio proteger uma área contínua do que vários quadradinhos de terra - argumentou Minc.

Sem citar o acordo entre as pastas do Meio Ambiente e da Agricultura sobre o Pantanal, o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), disse ontem que o estado vai liderar a produção de cana no país até 2015. Há três anos, quando o então governador Zeca do PT tentou liberar o plantio no estado, o ambientalista Francisco Anselmo ateou fogo ao próprio corpo e morreu durante um protesto em Campo Grande. O episódio teve repercussão internacional e suspendeu os planos de liberar a ação dos usineiros no Pantanal. Representante da bancada ruralista, o deputado Dagoberto Nogueira (PDT-MS) aproveitou a notícia do acordo para alfinetar Marina Silva:

- O ministro Minc vai atrás de soluções. A Marina ouvia meia dúzia de caras que não entendiam nada e ficava contra sem saber por quê.