Título: Desapropriação à vista
Autor: Camarotti, Gerson ; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 23/08/2008, Economia, p. 29

Governo estuda retomar campos concGerson Camarotti e Gustavo Paul

Ogoverno estuda a possibilidade de desapropriar os campos já licitados - que, descobriu-se depois, estão na camada do pré-sal - se essas reservas de petróleo se comunicarem com áreas de propriedade da União, ou seja, que ainda não foram leiloadas. O tema foi avaliado pelo conselho interministerial criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para formular as novas regras de exploração do pré-sal, em reunião no Palácio do Planalto na noite de quinta-feira, que terminou às 23h. Todos os campos nessa situação são da Petrobras em associação com grandes empresas internacionais, que seriam indenizadas.

A desapropriação aconteceria com a unitização (termo técnico para unificação) de reservas da União com alguns dos nove campos anunciados pela Petrobras e suas sócias privadas. O principal tema da reunião foi justamente como lidar com essas áreas cujos reservatórios são maiores que os blocos explorados. Pela proposta que ganha força no governo, onde houver intercomunicação, a União assumiria a propriedade das reservas.

Essa desapropriação prevê ainda uma indenização, "a preços justos", da empresa que tiver a concessão, revelou ao GLOBO o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Na área já anunciada do pré-sal, as reservas são estimadas entre 50 bilhões e 70 bilhões de barris, cinco vezes mais do que o Brasil dispõe atualmente. A indenização seria, portanto, bilionária.

- Onde houver intercomunicação entre um poço que foi concedido e outro sem concessão, a União assumiria tudo - disse Lobão.

"Desapropriação justa", diz Lobão

O ministro ressaltou, porém, que isso ainda está em discussão. Outra opção, disse, é se associar às empresas. Mas Lobão não esconde sua preferência. Segundo ele, a medida não representaria quebra de contrato com as atuais concessionárias dos blocos do chamado cluster (complexo) da Bacia de Santos. A justificativa é um fato novo: os megacampos do pré-sal. Quando estes foram leiloados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2004, não havia a perspectiva de reservatórios com tanto potencial.

A medida irá afetar, por exemplo, o bloco de Iara - arrematado pela Petrobras (65% de participação) em parceria com British Gas (25%) e Petrogal (10%) -, uma "ilha" cercada por áreas da União. Levantamentos preliminares apontam forte probabilidade de o reservatório se estender para fora da delimitação do bloco. Para a unitização, serão precisos testes físicos que confirmem tecnicamente a comunicação das reservas. Se isso se confirmar e vingar a possibilidade surgida na reunião de ontem, a União desapropriaria o campo de Iara.

Nesse modelo, o Estado pagaria ao concessionário pela estimativa de petróleo no pré-sal, mas fica com a reserva física. Isso deixa claro como pensa parte do governo em relação ao pré-sal. O objetivo é ficar com a reserva física - o petróleo - nem que tenha de pagar por isso. Essa reserva é o que proporciona poder estratégico às empresas - ou ao governo -, pois permite calibrar a produção e a destinação dos recursos naturais.

As regras da unitização, disse Lobão, constam da legislação de vários países e também da brasileira:

- Isso não é quebra de contrato. Ao assumir o poço vizinho, a União paga o que for considerado justo pelo mercado. Será uma desapropriação justa. Não é justo que uma empresa chupe o petróleo que também é da União - disse o ministro, que admite a possibilidade de uma nova legislação, se houver dúvidas jurídicas.

Balde de água fria para Petrobras

Essa medida aproximaria o Brasil de Bolívia, Venezuela e Equador, que, nos últimos dois anos, desapropriaram campos petrolíferos explorados por estrangeiras, provocando ações em cortes internacionais.

Em relação à unitização de poços a serem explorados pelas empresas e que são vizinhos entre si, a tendência é haver um acordo entre elas - a chamada "unitização clássica". Na Bacia de Santos, até agora, isso se aplicaria a Carioca e Bem-te-vi.

- Se a intercomunicação é entre Petrobras e Shell, por exemplo, as duas se entendem. Mas se for entre uma empresa e uma área da União, aí o governo vai pagar uma indenização ao vizinho - disse Lobão.

A nova proposta é um baque para as pretensões da Petrobras sobre a unificação dos nove campos da Bacia de Santos já anunciados, a fim de garantir a posse dos 50 bilhões de barris de petróleo. Para operar as áreas da União, a estatal propõe que o governo faça um aporte de capital de US$100 bilhões, como antecipou o GLOBO.

PETRÓLEO: UNIÃO CONGELA 80% DOS RECURSOS, na página 30

edidos a Petrobras e multinacionais na área do pré-sal