Título: Com o rosto pintado de vermelho
Autor: Brígido, Carolina; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 28/08/2008, O País, p. 3

Advogada dos índios é uma wapichana nascida e criada na reserva

BRASÍLIA. O julgamento sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol teve um significado especial para a comunidade indígena. Parte da defesa dos índios coube à advogada Joênia Batista de Carvalho, de 34 anos, índia wapichana nascida e criada na reserva. Foi a primeira vez que uma índia subiu à tribuna do STF para defender uma causa. De blazer preto, mas com o rosto pintado de vermelho, Joênia fez uma defesa apaixonada da homologação da reserva em terras contínuas.

- Não tive medo de subir à tribuna. Estou com meus pajés, estou protegida. Meus parentes me dão força onde quer que estejam - disse a advogada, num dos intervalos da sessão.

Antes da sessão, ela comentou que estava nervosa, e preocupada até com o tamanho da capa preta que todo advogado tem que usar na tribuna do STF. Experimentou várias. Mas depois, com o início da sessão, não vacilou ao relacionar argumentos em favor da demarcação em terras contínuas. Para marcar diferença em relação aos outros advogados e ressaltar suas origens, Joênia abriu o discurso com uma frase na língua wapichana:

- Que nossos valores espirituais, nossas terras, matas e águas sejam considerados como necessários para nossa vida. Nossa vida é nossa terra.

Casada, mãe de dois filhos, Joênia foi a primeira índia do país a se formar em Direito. Nascida numa aldeia wapichana em Roraima, disse que decidiu fazer faculdade para enfrentar preconceitos. Estudou na Universidade Federal de Roraima e passou em quinto lugar no vestibular. Foi alvo de deboche. O chefe de uma distribuidora de bebida, da qual era secretária, até sugeriu que ela desistisse da carreira. Hoje ela é advogada do Conselho Indigenista de Roraima.

Na tribuna, Joênia disse que o preconceito está na raiz das ações de fazendeiros e políticos de Roraima, que querem a demarcação da reserva em ilhas.

- Somos acusados de ladrões e de invasores dentro da nossa própria terra. Somos discriminados e caluniados - afirmou ela.