Título: Educação ganha eleição
Autor: Barenboim, Igor; Bursztyn, Leonardo
Fonte: O Globo, 28/08/2008, Opinião, p. 7

No dia cinco de outubro de 2008, o Brasil comemora vinte anos da Constituição Cidadã. Há muito para celebrar: pela primeira vez uma constituição democrática faz o seu vigésimo aniversário no país. Além disso, devemos comemorar conquistas como o fim da tortura e a liberdade de expressão. Outra característica marcante da Constituição de 1988 são os direitos sociais nela enunciados, entre eles a educação e a redução das desigualdades sociais, tidos como direitos de todos e deveres do Estado.

Nos dois frontes, há o que comemorar. Conseguimos colocar quase todas as nossas crianças na escola nos últimos 20 anos e assistimos a uma taxa de redução da desigualdade de renda de 1% ao ano nos últimos 6 anos (medida pelo índice de Gini). No entanto a qualidade do ensino público e a diminuição da desigualdade de renda continuam muito aquém do imaginado pelos participantes das Diretas Já. O Brasil e outros países que viveram experiências similares aprenderam que democracia não é um simples botão capaz de resolver todos os problemas.

Para corroborar a experiência brasileira, um estudo feito por influentes professores de economia das universidades de Chicago e Columbia mostrou que na verdade não há nenhum padrão que relacione maior força da democracia com maior redistribuição de renda, ou mais democracia com mais gastos com educação, quando se analisa amostras de países.

Inspirados pela história brasileira e pelos resultados recentes da literatura econômica, nós nos perguntamos: Será que investir em educação contribui para ganhar eleição? Para responder a essa pergunta nós estudamos gastos com educação no mundo, gastos com educação nos mais de cinco mil municípios brasileiros, além de analisar pesquisas de opinião com a população brasileira conduzidas pela FGV e pelo DataFolha.

Nossa primeira observação foi entender que indivíduos menos abastados e com menor escolaridade tendem a apontar educação como política prioritária para o governo com muito menos freqüência do que indivíduos mais ricos. Por outro lado os mais pobres apontam com mais freqüência gastos com assistencialismo como prioridade. De acordo com a teoria econômica isso se dá devido a restrição de liquidez, ou a falta de recursos dos menos abastados para atender às necessidades básicas. Outra interpretação em linha com a literatura de psicologia é que as pessoas tendem a acreditar que o correto a se fazer é precisamente o que elas fizeram. Essa dissonância cognitiva implica que os menos educados também acreditam que seus filhos não necessitam se educar.

Prosseguimos o nosso estudo analisando os resultados das eleições municipais brasileiras de 2000 e 2004. Descobrimos que em municípios pobres, o prefeito que aumenta gastos com assistencialismo às expensas de gastos com educação tem maiores chances de se reeleger e de eleger o seu sucessor. Já em municípios ricos, investimento em educação traz sucesso nas urnas. Por fim verificamos que em países pobres, mais democracia implica menos investimento em educação. Em países ricos o contrário é verdadeiro.

A análise destes dados nos mostrou que a crença defendida por autores clássicos e recentes da literatura econômica de que as elites seqüestram o poder e previnem que os menos abastados se eduquem e adquiram poder aquisitivo não se adequa à realidade atual. Na verdade, vemos que apesar da educação ser dever do Estado e direito de todos, são os menos abastados que a preterem ao votar.

Esse mecanismo faz com que municípios, jurisdições ou países mais pobres continuem pobres, criando um obstáculo, portanto, à redução da desigualdade. Esta evidência, não implica, no entanto, que democracia é ruim para o desenvolvimento econômico de países pobres. Programas como o Bolsa Escola são exemplo de uma solução. Os mais pobres se interessam pelo programa porque recebem a assistência desejada e os mais ricos e donos de máquinas e equipamentos, porque desejam que os pobres se eduquem para que haja uma massa de trabalhadores especializados e qualificados para que eles não tenham que pagar salários tão elevados a essa mão-de-obra. A conclusão é que democracia não é um botão, mas programas como o Bolsa Escola podem ser a solução.

IGOR BARENBOIM e LEONARDO BURSZTYN são doutorandos em Economia na Universidade de Harvard (EUA).