Título: Origens diferentes, lógica parecida
Autor: Cássia, Cristiane de
Fonte: O Globo, 28/08/2008, Rio, p. 17

Traficantes e milicianos recorrem ao terror para obter vantagens econômicas

Cristiane de Cássia

Diferentes na origem e nos seus carros-chefes de vendas, tráfico e milícia têm cada vez mais coisas em comum. Os traficantes antigos conquistaram as comunidades com assistencialismo. Mas a guerra de gangues serviu de fermento para as milícias, originárias dos grupos de extermínio, se venderem como serviço de segurança. Os negócios de ambos cresceram recentemente e a disputa por territórios se acirrou. Os dois tipos de grupos usam a lógica do terror para obter vantagens econômicas.

Para pressionar moradores e cobrar pedágio sobre serviços, a milícia na Favela da Carobinha, em Campo Grande, tinha 20 ¿soldados¿ armados de fuzis, vestidos de preto e usando comunicadores de ouvido circulando pelas ruas. Na vizinha Favela do Barbante, sete moradores foram mortos na semana passada, e em todo o bairro de Campo Grande cerca de cem pessoas foram assassinadas por milicianos em três anos, segundo o serviço reservado do Regimento de Polícia Montada.

Isso mostra que, apesar de buscarem lucro como capitalistas, milícia e tráfico usam uma lógica pré-capitalista. Assim, assemelham-se a senhores feudais, controlando territórios com as próprias regras. Quem não cumpre as leis pode ser punido de forma cruel.

¿ A mãe que antes pedia ao bandido na favela que não matasse o filho dela, hoje só pede o corpo de volta ¿ conta um morador da Zona Oeste.

Outra característica presente no tráfico e na milícia é o uso indevido de recursos do Estado para atuar. Além de serem policiais, ex-policiais, bombeiros e agentes penitenciários, milicianos usam os equipamentos do Estado, armas e até carros blindados para dominar uma área. Já os traficantes ¿compram¿ isso, corrompendo a polícia.

No entanto, numa análise das relações entre grupos de milícia e tráfico, encontram-se mais diferenças. As quadrilhas de milicianos não brigam entre si e atuam de forma mais isolada. Já no tráfico há disputas por territórios entre facções, mas parcerias entre os integrantes da mesma quadrilha. Armas e homens são emprestados de um grupo para outro em momentos de guerra, por exemplo.

O combate ao tráfico e à milícia pode ter algo em comum. O economista francês Michel Schiray defende que, além dos confrontos, haja uma solução permanente por parte do sistema público de segurança:

¿ Afinal, morador não quer tráfico, nem milícia. Ele quer um sistema de segurança organizado. Ele quer paz.