Título: Disputa municipal deflagra guerra pelo governo capixaba
Autor: Santos, Chico
Fonte: O Globo, 21/08/2008, Especial, p. A14

Uma acirrada guerra verbal entre as duas maiores lideranças tucanas do Estado explodiu semana passada nas, até então, mornas eleições municipais do Espírito Santo. O deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas, duas vezes prefeito de Vitória, coordenador da campanha presidencial de 2002 do hoje governador de São Paulo, José Serra, atacou violentamente, pela imprensa local, o vice-governador Ricardo Ferraço, chamado de traidor e infiel por não ter seguido à risca as decisões do PSDB estadual no apoio a candidatos às 78 prefeituras do Estado.

Ferraço respondeu no dia seguinte com fogo ainda mais pesado. Chamou o deputado de "mentiroso" e "mimado", levando a batalha para o campo pessoal e dando à disputa até um viés familiar, já que suas mulheres são irmãs, da poderosa família Chieppe, dona da empresa de transportes rodoviário Águia Branca. Mas o verdadeiro palco dessa peleja está no futuro, mais precisamente, em outubro de 2010. Vellozo Lucas e Ferraço são dois dos principais postulantes a suceder o governador Paulo Hartung (PMDB), considerado o principal responsável pela emersão do Espírito Santo de uma séria crise políti ca, ética e sócio-econômica em 2002 para ser hoje citado como exemplo de gestão e crescimento econômico no país.

"Nunca a eleição estadual esteve tão presente nas municipais", afirma o cientista político Celso Rodrigues, diretor da Alvo, empresa de marketing político. Era tudo que Hartung não queria. Eleito em 2002 pelo PSDB e reeleito em 2006, já no PMDB, como o governador proporcionalmente mais votado do país, numa aliança que juntou no Estado os nacionalmente arqui-rivais tucanos e petistas, o governador, virtualmente sem opositores, apoiado por 77 dos 78 prefeitos atuais, assumiu para as eleições de 2008 uma postura quase que de magistrado, mantendo-se eqüidistante das disputas, ao menos para consumo externo.

Nos bastidores, foi ele quem escolheu um dos seus principais colaboradores, o jornalista Sebastião Barbosa, para compor como vice a chapa que, salvo desastre, deve reeleger o petista João Coser prefeito de Vitória já no primeiro turno. Em Linhares, na região petrolífera do norte do Estado, não é segredo para quem acompanha a vida política que a preferência de Hartung transitou do atual prefeito José Carlos Elias (PTB, apoiado pelo PSDB), que ele ajudou a eleger em 2004, para a candidatura do deputado estadual Guarino Zanon (PMDB), atual presidente da Assembléia Legislativa do Estado.

Os sinais explícitos de que não é tão neutro assim não chegam a abalar o prestígio de Hartung, chamado maldosamente de imperador pela pequena oposição. Além dos indicadores positivos ostentados pelo Estado, cuja participação no total do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro passou de 1,8% para 2,2% de 2002 para 2005 (maior crescimento relativo na região Sudeste), o fato de o governo estadual contar com um orçamento de R$ 800 milhões para investir somente este ano, em um ambiente de prefeituras pobres, faz com que nenhum prefeito queira ficar mal com o palácio Anchieta, sede do governo capixaba.

"Um prefeito com um bom governo, bem com o governo federal e contando com investimento estadual, está reeleito", comenta o cientista político João Gualberto Vasconcellos, diretor do Instituto Futura, uma das principais instituições de pesquisa eleitoral do Estado. Segundo Vasconcellos, Hartung colhe agora em 2008, os frutos de ter ajudado a fortalecer as lideranças locais nas eleições de 2004.

Hoje, somente em Vila Velha, que, geograficamente, está para Vitória assim como Niterói está para o Rio de Janeiro, há um prefeito claramente de oposição, Max Filho (PDT), filho do ex-governador Max Mauro, derrotado por Hartung em 2002. Mesmo assim, o candidato pedetista a continuar os oito anos de mandato de Max Filho, Dyonisio Ruy Jr., está mal nas pesquisas e pode deixar a vaga para um dos candidatos do espectro mais próximo ao governador.

"Nada ameaça a hegemonia de Hartung", afirma Vasconcellos. Mas a disputa prematura por seu espólio pode ao menos causar sérios estragos. Na refrega com Ferraço, que negou apoio a cinco dos 28 candidatos a prefeito apoiados por seu PSDB, inclusive o da capital, Luciano Rezende (PPS), o deputado Vellozo Lucas precisou de muito esforço para explicar que não estava comparando Hartung ao imperador francês Napoleão Bonaparte (1769-1821), que governou acima dos partidos de 1799 a 1815, ao dizer que o vice-governador havia sepultado "a unanimidade bonapartista" no Estado.

Vellozo Lucas disse ao Valor que seguirá apoiando o projeto de Hartung, de cuja equipe faz parte desde quando o atual governador foi prefeito, nos anos 1990. Mas, avisou que o PSDB terá chapa à sucessão estadual e que essa chapa será alinhada à candidatura do partido à Presidência da República, ou seja, contrária ao PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aliado de Hartung. Disse que Ferraço era o candidato natural do partido, mas que agora isso ficou inviável e admitiu que ele mesmo pode ser o candidato.

Para o vice-governador, ser candidato a governador é tudo que o deputado deseja. Ferraço, tido por nove entre dez analistas como o preferido de Hartung à sua sucessão, enfrenta uma sinuca de bico. Ficou sem espaço no PSDB e precisa rezar para ser expulso. Só assim poderia filiar-se a outro partido e concorrer a 2010 sem ferir a legislação sobre fidelidade partidária.

"Eu não estou obcecado por 2010", disse ao Valor, a quem garantiu não ser candidato e afirmando que não pedirá desfiliação do partido que tem o seu concunhado como maior liderança estadual. Para analistas, Ferraço sonha, como muitos outros políticos no país, com a abertura de uma janela legal para mudanças partidárias sem prejuízos eleitorais após o pleito municipal.

Fora dessa peleja, outros nomes da aliança que sustenta Hartung aguardam seu desfecho sem perder de vista suas próprias possibilidades. "Não estou trabalhando para ser candidato", afirma o senador Renato Casagrande (PSB), sem excluir a possibilidade de uma candidatura, desde que saída de uma aliança parecida com a formada para reeleger o atual governador em 2006.

Preocupado manter uma imagem de aglutinador, Casagrande está pisando em ovos nas eleições municipais. "Estou me posicionando com um certo cuidado. Não por 2010, mas por 2006. Tive muitos apoios de lideranças que estão agora em palanques diferentes".

Coser, prefeito petista de Vitória, virtualmente reeleito, é outro nome da unidade 'hartunguiana' que está vivendo 2008 sem perder de vista 2010. Para o analista Vasconcellos, ele está se "cacifando" no Estado com uma gestão eficiente em Vitória e será um nome de peso quando a eleição estadual chegar. Evitando fazer antecipadamente sua "escolha de Sofia", como diz o analista Rodrigues, Hartung prefere o silêncio. Nos bastidores, diz-se que ele admite até abrir mão de uma já consagrada candidatura ao Senado se isso ajudar a unificar sua sucessão. Mas observadores próximos avaliam que a partilha da herança é inevitável, ao menos para fins eleitorais.