Título: Um pré-sal paulista
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 29/08/2008, Economia, p. 27

Projeto de petista tira do Rio e transfere a SP arrecadação sobre áreas da Bacia de Santos

Gustavo Paul

O Estado do Rio perderá o direito a todos os royalties do petróleo já descoberto no pré-sal da Bacia de Santos, inclusive as áreas de Tupi e Júpiter, se for aprovado um projeto de lei apresentado em junho pela senadora Ideli Salvatti (PT-SC), líder do partido na Casa. O projeto modifica os critérios de delimitação geográfica para a concessão de royalties no país. Um estudo inédito do mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Cândido Mendes, de Campos, mostra que a mudança nas linhas que demarcam as áreas correspondentes aos estados e municípios deixaria para São Paulo toda a arrecadação com as mega-reservas.

O projeto de Ideli é o primeiro a tramitar no Senado tratando especificamente da divisão territorial para cálculo de royalties. Na delimitação atual, estabelecida pelo IBGE em 1986, as áreas da Bacia de Santos são divididas entre Rio e São Paulo. As áreas de Tupi, Iara e Parati, por exemplo, estão sob a influência do Rio, e as de Bem-te-vi, Carioca e Caramba, sob São Paulo.

As regras em vigor seguem o sistema de linhas ortogonais, que partem das divisas estaduais em direção ao oceano, em ângulos que acompanham o recorte do litoral. Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte são os únicos estados cujas linhas se abrem, ampliando a área sobre a qual arrecadam. Já as linhas que partem de Paraná e Piauí, por exemplo, praticamente impedem que eles tenham acesso a royalties de produção em alto mar.

Proposta será de difícil tramitação

O modelo defendido pela senadora segue o método radial, cujas linhas imaginárias têm como limite as fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa, ao Norte, e com o Uruguai, ao Sul. A partir do local onde essas linhas se encontram, são traçadas linhas paralelas, que, como um leque, redesenham a área marítima a que cada estado tem direito.

Com isso, cada estado teria como área de influência marítima o tamanho de seu litoral. Santa Catarina - por onde Ideli é senadora - teria uma fatia maior do alto mar para poder ter direito aos royalties. São Paulo, com o qual o Rio briga diretamente pelas maiores reservas já conhecidas e pelas potenciais, também seria beneficiado.

Na justificativa do projeto, Ideli lembra que sua proposta permite o cálculo dos royalties para as novas áreas da plataforma continental do país, situadas além das 200 milhas e pleiteadas pelo governo brasileiro. Pelo modelo atual, as linhas traçadas não alcançam essa distância. Ela argumenta ainda que o projeto supera as dificuldades de demarcação causadas pelas saliências e reentrâncias da costa. Com as mudanças, a senadora acredita que serão superadas as disputas e dúvidas em relação aos limites traçados pelo IBGE.

As bases do projeto de Ideli foram apresentadas em uma palestra do presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, em 15 de abril. Na ocasião, o IBGE apresentou ilustrações mostrando como ficariam, na prática, as alterações propostas. Nunes lembra que as modificações são decididas pelo Congresso:

- Mostramos todas as alternativas existentes, mas não sugerimos nada. Nosso trabalho é calcular.

Segundo o estudo da Cândido Mendes, com a nova metodologia, o Espírito Santo perderia os direitos sobre o Campo de Roncador, que ficaria sob influência do Rio. Isso representaria uma perda de R$20 milhões para os capixabas, entre participações especiais e royalties. De acordo com o estudo, o projeto pode permitir uma distribuição mais equânime dos royalties em nível estadual, mas, nos municípios, "produz colossais desequilíbrios".

Vários municípios sofreriam com a mudança. Campos, por exemplo, teria sua receita anual de royalties reduzida a um quarto: de R$174,4 milhões para R$42 milhões. A de Cabo Frio cairia de R$25 milhões para R$8 milhões. Mas outros passariam a ganhar mais: Carapebus teria um salto gigantesco, de R$3 milhões para R$74 milhões, e Quissamã, de R$19 milhões para R$64 milhões.

Politicamente polêmico, o projeto deverá ter dificuldades de tramitação. Para o governo, é uma discussão inoportuna, que pode prejudicar a tramitação dos projetos que mudam o marco regulatório para exploração do pré-sal. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), relator do projeto na Comissão de Infra-estrutura, não acredita que haverá perdas aos estados:

- O Rio não será prejudicado. Vou conversar com a senadora e tenho certeza de que ela não pretende prejudicar nenhum ente federativo.

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), que também tem uma proposta na Câmara para redefinir as áreas, concorda que é um projeto difícil:

- Ele elimina problemas, mas cria outros, e o método radial é um dos mais difíceis de serem aplicados.

LULA: RESERVAS DO PRÉ-SAL SÃO "BILHETE PREMIADO, na página 28

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